Sorrisos em Lágrimas

Lá fora os pingos de chuva despencam em queda livre do telhado. Caem no chão em plasta, gritando ploc, ploc, ploc, espatifando-se. Esparramados sobre o piso já escorregadio pelo espelho verde do lodo, juntam-se em lâminas de água carregadas pela própria sorte. Muito distante do nascedouro e tendo percorrido a metade do caminho, somem para um lugar ermo e muito provavelmente, não retornem às origens. Contrário do descrito pelo homem, na Natureza nem tudo é transformação natural e uma infinidade de coisas se perdem, sim, nos finitos vazios do mundo.

Como a chuva que veio inesperadamente, elas vieram chegando sem que eu percebesse. Não pediu licença e pousou em minhas faces. Descia em fios compassados, um após outro, umedecendo meus lábios. Tentava sugá-las. Experimentar o sal nelas contido. Impossível; impossível degustar o meu sal, saborear a mim mesma. Se assim faço, seria eu canibal de meus sentimentos. Contrário a esse pensar, deixo-as livres para levar um pouco de mim para o infinito. Quem sabe sou inspiração para alguém, para algum ser perdido nessa finitude de mundo.

Fazendo como fazem em minhas faces, deslizando como o orvalho desliza ao ser tocado pelos raios de sol, inebriando minhas emoções, provavelmente elas queiram falar por mim, botem para fora o estrangulamento que vem do coração. A dor que me sufoca; o sofrer calado de minhas palavras; liberte o grito sufocado; libere o eco em lugares jamais imaginados. Não posso e nem devo limitar ainda mais o meu limitado mundo. Aliás, não só meu, de todos.

Faz tempo que não me escuto e se escuto, não ouço o meu EU. Parece até que somos estranhos habitando o mesmo espaço. Habitando uma casa que não nos cabe. Falta do que sentir não é; ao contrário, o sentir demais debilita, enfraquece, torna vulnerável, oxida o suposto aço das estruturas que sustenta o castelo.

Sei as causas, mas também sei o quanto é trabalhoso lidar com as adversidades, afinal emoções e sentimentos sentem, se emocionam; principalmente aqueles advindas do coração. Tudo é alheio ao que penso, ao que gostaria que fosse; e desconhecendo a minha vontade, acontece sem que eu tenha domínio. Nessas ocasiões, tento ser forte. Até chego ser; e ainda que por um minuto, sorrio.

Todavia, sei que por trás de um sorriso, sempre há uma lágrima, mas por trás de uma lágrima, sorriso não há; pois sorrisos são efêmeros e não duram mais que segundos, enquanto que as lágrimas são eternas e fazem refletir o espírito, alimento para a alma.

Aí sim, sorrio. Não um sorrsio de dentes alvos, brancos como porcelana, mas um sorriso que elimina minhas neuras, aliviam minhas dores, sopram para longe os meus pesares, sossega meus pensamentos, renova minhas esperanças. Sinto-me encorajada, pois sorrisos espontâneos e verdadeiros não são vistos por olhos nus, mas visíveis aos olhos invisíveis do tempo.

É nesta obra divina que apego-me, ganho forças, respiro fundo, tomo fôlego, sobretudo, reanimo meu ego para continuar sendo as asas do anjo que dorme ao meu lado em minha cama. Ainda voaremos juntos numa só imaginação, inconhos num só corpo, num só sonho, num só ícaro.

Tem anjos sem asas que quando despencam das alturas, é como chocolate quente aquecendo o coração .... Anjos sem asas, mas de almas leves e espíritos livres quando chegam ao solo, removem e adubam a terra, curam as feridas, trazem luzes, pacificam os ambientes, deixando os pássaros mais serelepes e as flores mais coloridas, com um perfume inebriante de amor.. Anjos sem asas caídos do céu, modificam vidas! Acredito piamente nisto.

Não obstante, a realização é produto das lágrimas derramadas, e é nesse substrato que os meus diminutos segundos de vida se agarram. Grudam! Por isto, respiro e os meus pulmões existem; e faço soprar vida em sorrisos nos pulmões de mais alguém; e esse nada para os outros é o tudo para mim!

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 23/04/2017
Reeditado em 23/04/2017
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