Sopro Polinizador
Impossível o sopro polinizador, polinizar. E as coisas da alma, os poetas e filósofos escrever, sem antes desvendar os mistérios de Deus, a alma da Natureza.
Após dormir de olhos abertos, desperto cedo, por volta das 5 horas da manhã. Sob o silêncio da madrugada, dou uma volta na praça apreciando as flores. Sonoro farfalhar de folhas espraiadas. Flores coloridas. Bétulas; damas-da-noite; açafrão, begônias; camélias; hortências; alteias, amarantos, crisântemos; rosas; sabugueiro; jasmins; azaleias; bicos-de-princesa; lírios. Perfumadas flores. Espreito uma. Minuciosamente, vasculho outra. Volta na primeira. Espontâneo. Trabalhar festivo. Toco campainha. Silêncio. Zumbizo do quase caio. Intrometida, vazio adentro. Bato asas. Sou botânica cosmopolita. Independente, autônoma, livre e libertária, entro e saio.
Permeada pela pretensão, levo na ponta da pena a renovação. Água na bica. O sopro no bico, dou bicada; e de bicada em bicada, feito pipa no ar, em debicadas vou descrevendo as espirais que florescerão. Sol clorofilante. Lanço nota aqui, outra semente ali, uma observação acolá, palavras soltas e as covas vão sendo preenchidas. Rascunho verdejante. Não possuo nada. Tudo almejo; prefácio em grãos. Sob chuva serena, semeio as palavras na Terra não para mim, mas pelos que virão. No fim, no meio, nas bordas. Germinação. Sobrevoo das asas de anjos em hordas. Sementes e palavras lançadas ao vento e cheias de esperanças, realçadas pela motivação e estímulo, em benévolos frutos se transformarão. Vai-e-vem. Roubando o néctar das flores do velho Inácio. Transformar o velho em novo; e o novo em velho. Intenso. Nunca, jamais em vão. Seios. Em pares, amamentos do solo. Dos recém-nascidos, o alimento; e para os adolescentes, anseios.
O voo é longo. Os oceanos são impiedosos e indispostos a banhar os meus olhos, motivo d`eu passar as noites em claro. Emoção comunga com a razão. Motivo de quem, ao próximo, quer bem. A operação é lenta. Às vezes me perco no breu das fantasias; mas a visão espacial literária traz-me de volta aos meus sonhos, sonhados. Sobretudo, sonhos polinizados e não realizados, é noite de polinização perdida e sonhos inutilizados. Pés no chão. Sementes na terra. Pena na folha de papel em branco. Sopros polinizadores. Amar; malamar. Sonhar nunca é demais. Desiludidos, são os chacais. Flores mund´afora, em ventos astrais, soprar. Desideratos atemporais.
Entre sonhos e coisas desejosas, a minha escrita levará a palavra amiga ao tristonho. Encherá cacimbas de água. Habitará a inospitalidade de casas esquecidas. Emendará xícaras sem asas. Casais separados. Acalentará crianças. Enriquecerá de conhecimento o pobre. Fará refletir o rico. Rompendo o portal, lugar distante, atingirá. Naturalmente, semeio porque semeio. Polinizo, porque polinizo. Continuidade da vida. Escrevo, porque escrevo. Quem roubou o néctar das flores do velho Inácio, tem por dever inscrever as boas-novas na tabuleta nos portais do mundo; jardim da casa do senhor Anísio. Besouros, abelhas, beija-flores, borboletas, batem asas, viajando longas distâncias. Bióticos polinizadores que escrevem em florescências vívidas, versos nobres, pulverizando o solo com o pólen. Pólen da renovação. Escritas feitas de pó. Amarra sem nó. Sopro. Sementes livres, as quais metade delas sejam flores e a outra metade palavras edificadoras. Regados em solos férteis. Que a metade das palavras sejam flores e a outra metade amores. E ao germinar mund`afora, que a metade seja coração e a outra metade, também. Louvado seja a semeadura polinizadora da Natureza, amém!