LASCÍVIA DAS LETRAS
(Samuel da Mata )

Gosto de ler alguns autores, cada uma a seu estilo, no seu modo rude ou delicado de ser. Alguns são pudins deliciosos onde a calda sobrepõe em aromas a própria essência que o constitui. Estes são pratos para serem degustados sem pressa, com colher pequena, da qual só se usa a ponta. É um rito sagrado a ser executado longe dos amigos para que perguntas tolas não nos interrompa o coito. Celular desligado, espaço discreto e reservado, onde se possa fechar os olhos, fazer caretas, tecer murmúrios, ranger os dentes e suar quente e frio em meio ao transe. Estes são livros inesquecíveis a serem lidos e relidos em dependência e vício.

Há também os autores de mistérios. Seus contos são corredores compridos onde se deslumbra o fim mas lá não se quer chegar. Os detalhes das paredes e do piso nos fazem pisar leve e reduzir cada vez mais a marcha pelo medo de atropelar qualquer detalhe. As paredes são pintadas a mão com figuras minúsculas e delicadas como flores bordadas em vestes de batizado infantil. Nada se repete, nada é óbvio, nada é tosco ou sem sabor. É uma marcha solitária de Compostela para se arrastar suspirando e meditando a vida. Sabe-se que não repetirá. Entre a curiosidade e o prazer da paisagem, o drama de mais um passo.

É preciso tempo para um bom filme, para contemplar e babar em cada cena ainda que lhe tome o dia. Quem já viu "dança com lobos" sabe bem do que falo. São momentos que nos arrebatam a alma para um mundo surreal do qual não se quer voltar. Às vezes pergunto: chorou? Se não, leia-o de novo. Uma leitura que não muda a alma foi pura perda de tempo. A jornada da vida é curta, é preciso moldar a alma em cada estalagem.
Samuel da Mata
Enviado por Samuel da Mata em 14/04/2017
Reeditado em 22/08/2020
Código do texto: T5970451
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