A ceia
Quando Ele chegou, senti frio.
Passearam em mim, brumas
e me senti abatido e sem forças.
Me envolveu todo o corpo, o Rancor.
Ele falou de ingratidão e injustiça.
Me disse humilhado e ferido,
Elogiou minhas qualidades.
Ele desdenhou da autocrítica, o Rancor.
Depois do quedar de início, ao peito
Retornou uma dor há muito esquecida,
E às entranhas, a sombra do mal.
Era Ele exigindo vingança, o Rancor.
Eu nunca mais saí sozinho,
Ele me acompanhou pelas noites,
Deitava comigo e com o álcool.
Eu nem sonhava mais sem Ele, o Rancor.
Depois, Ele visitou meu passado.
Vilipendiou minhas tardes de sol.
Perseguiu até a morte o menino que fui.
Apagou dias felizes e sorrisos, o Rancor.
Ele me obliterou os sentidos.
Ouvi troar antigas canções de batalha,
E a minha velha doçura soçobrou...
Ele exumou minha maldade, o Rancor.
Quando percebi, Ele já era eu.
E eu, num oceano de fúria,
Já me aprazia em dores e carnes cortadas.
Ele finalmente obteve a vitória, o Rancor.
Depois que assumiu o trono de mim,
Ele apagou a luz dos meus olhos,
Pôs sobre a mesa pratos amargos e frios
E, sorrindo, me convidou a cear...