O AMIGO SECRETO
(Samuel da Mata)

 

            Um dia destes recebi, pelo correio, um convite estranho. Era um envelope branco, papel couchê, escrito à mão e com letras douradas. Tratava-me nominalmente e dizia: Você está convidado para a Festa do Amigo Secreto, dia xx/xx/xx, de 18 às 19 horas, no Salão XXX. Traje livre, entrada somente com convite. No evento será servido um delicioso jantar, gratuito e sorteado, entre os convidados, um valioso presente. Segue, em anexo, o ingresso, pessoal e intransferível, com um número para o Sorteio. Considere o presente convite como de caráter sigiloso.” Achei muito estranho, mas tratava-se do principal salão de eventos da cidade, não pediam dinheiro, não exigiam trajes especiais e como duraria apenas uma hora, achei que valia a pena arriscar.

          Assim, no dia marcado, cheguei de fininho, desconfiad
o, mas tive uma recepção calorosa por uma equipe distinta e altamente qualificada, que em mim colocou um garboso chapéu em camurça, e um óculos de papel com lentes furta-cor. Sob a sombra do anonimato, senti-me mais a vontade para adentrar-me ao recinto. O Salão já estava cheio e, sob uma música suave e clássica, os convidados, igualmente fantasiados, serviam-se do buffet. As mesas eram pequenas e com uma cadeira apenas, adornadas com requintes. Servi-me fartamente e fui postar-me em uma das mesas enquanto tentava, inutilmente, reconhecer alguém presente.

          De súbito, um corte na música e entraram no salão umas vinte meninas, lindas e elegantemente vestidas, que distribuíam grandes envelopes aos convidados. Recebi, com muito ceticismo, o envelope que me foi destinado e cuidadosamente passei a verificar do que se tratava. Parecia um convite de formatura: Papel delicado e fino, várias páginas, letras em itálico imitando uma escrita manual. Era uma vistoria despretensiosa até que percebi na primeira página o apelido carinhoso que uso com minha filha. Tremi de alto a baixo, já não conseguia mais engolir nada. Passei a uma leitura trêmula e angustiada:

“Meu caro: Samuel da Mata,
Não é assim que teus amigos te chamam? Não te assustes, sou teu Amigo Secreto e reservei este encontro com um cuidado especial, há muito queria falar contigo.
Como teu amigo, tomei a liberdade de me meter em alguns dos seus assuntos pessoais. Conversei muito com a Pipoca estes dias e ouvi muito sobre os problemas quem envolvem a vocês dois. Vou ser repetitivo, mas entendi que ela sofre muito pelas tuas mágoas e sonha com o dia de vê-las todas apagadas. Disse-me também que você não percebe, mas que ela já te perdoou há muito tempo e espera ansiosa que você faça o mesmo. “


          Eu suspirava fundo e secava as lágrimas dos olhos me preparando para a leitura das outras páginas. Li a segunda, a terceira e até a oitava página, que discursava delicadamente sobre os meus problemas mais íntimos. De repente, o texto se virou para mim, quando disse: Embora não  te lembres, eu falei contigo um dia desses: Quero muito que sejas feliz, que lave tua alma todos os estes rancores e que abras o teu coração ao perdão, assim como eu te perdoei. Você sempre se lembra dos erros alheios, mas sempre te esqueces dos teus. Todavia, Cristo quer hoje apagar a todos eles, para que tua alma suspire alegre e feliz.
Receba um grande abraço do teu amigo secreto, Espirito Santo.”


          Estava assim compenetrado, quando a música foi bruscamente cortada e uma voz anunciou, “Dezenove horas, encontro encerrado. Confira no pátio de entrada, o seu bilhete com o número sorteado”. Saí e vi, no que eu imaginara ser um carro, um grande outdoor com meu número e escrito: “Seja Feliz, Jesus te Ama”. Acho que o número era o mesmo para todos, mas nem por isso não deixa de ser uma grande verdade.

Samuel da Mata
Enviado por Samuel da Mata em 06/07/2015
Reeditado em 08/09/2023
Código do texto: T5301262
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