SEPARAÇÃO

Com que direito você acha que pode me deixar?

Veio de mansinho, se fazendo de anjo, prometendo coisas que eu nem estava à procura... Cantou alto pra mim, gritou o meu nome e chorou a minha falta. Tanto fez, que me beijou sob o luar, defronte ao mar. Me abraçou, deixando que eu sentisse a sua força e eu? Me deixei levar... Você me tocou com mãos de sêda, sussurrando em meus ouvidos juras quaisquer. Me encantou, enfim, me hipnotizou!

Mudei meus planos, minha direção, meu rumo. Perdi meu caminho e me vi andando no seu. Inclui os seus sonhos nos meus e abracei os seus propósitos. Você me convenceu que era bom assim, desse jeito, juntos, pra sempre.

Agora, que sou sua e nem sei quem sou... agora, que meus gestos se confundem com os seus... agora, que te vejo em mim... você diz que tem que ir. E o que deixa pra trás? Um resto de alguém? Seu corpo ainda tem o meu calor e meu corpo ainda está em suas mãos... como pode ir, então? Sou sua sombra, seu espectro e seu vulto, como pode me deixar pra trás? Como pode sair da minha vida, depois de tê-la inteira pra sí? Com que direito?

Pois então, que vá! Vá e me deixe de uma vez! Leve seu violão, sua coleção do Caetano e tudo mais que é seu! Permita que o vazio venha subtituir a sua presença! Deixe que a poeira venha cobrir o seu espaço! O frio virá ocupar o seu lugar na cama. Sua voz irá ecoar por muito tempo, mas se dissipará, lentamente, como a fumaça de seu cigarro, tênue. Seu cheiro vai dar lugar ao meu cheiro somente. Minhas lágrimas haverão de secar, cristalizar, coagular talvez, sobre as feridas abertas.

Eu vou te ver pelos cantos, por muito tempo, sei que vou. Vou voltar pra casa com a expectativa de te ver me esperando. Vou preparar jantares e vinhos para o seu fantasma mudo e silencioso. Vou sonhar com o futuro que vivemos no passado... os planos todos rascunhados em folhas de papel, guardadas na estante, à espera de nós dois, condenados pra sempre! As letras de músicas compostas pra mim vão desbotar com o tempo e sucumbir, assim como eu.

Talvez eu o encontre pelo caminho e o veja sorrindo. Tentarei ser natural, como se o natural fôsse ignorar o apêrto no peito que haverá de me sufocar. Talvez eu o encontre com outrém. Tentarei aceitar, como se fôsse possível ver outras mãos possessivas do que era meu. Talvez eu perceba a sua felicidade. Tentarei ser feliz também, como se fôsse um privilégio de quem sofre de amor.

A solidão será minha amiga fiel, minha fuga e meu veneno, então, estarei em boas mãos. Vá!