NAVEGANTE INSONE
Já se falou em comezinha literatura, que insônia não existe. O que existe é o medo de não dormir e que ninguém jamais morreu de insônia. Por isto, eu que sou um insone contumaz, ouso dizer: quando ela te atacar, a ela te entregues por inteiro, não mexas nem remexas, fiques quietinho e imóvel, deixando a mente navegar. E te deixes levar, como passageiro de tosca nau, transpondo os sete mares de infantis reminiscências, os continentes, vislumbrando "templos feitos de ossos" e ruínas que ainda resplandecem. Cidades nunca dantes visitadas, reais e imaginárias, às vezes suntuosas, às vezes tenebrosas. Revendo amigos desta e de outras eras. Sorrisos, lágrimas e faces na penumbra. E mergulharás no tempo, voltarás à infância perdida no horizonte esmaecido. Reencontrarás então o tempo em que "eras feliz e não sabias"... Alçarás voo como ave descomunal, ou como nave alada, por sobre a terra, por sobre as matas, rios, montanhas e cascatas. Retroagirás ao tempo de profundas dores, de amores ardentes, doídos e indolores, perdidos ou nunca encontrados. E penetrarás no mundo real dos sonhos: realizados e frustrados. Adormecerás enfim. Mas virá um pesadelo e te despertarás para a constante insônia. Terrível e temida - a própria vida.