A ECLOSÃO
(Samuel da Mata)
De repente ela caiu em si - estava só. Descobriu que a sua fortaleza de pedra, intransponível aos olhos do mundo, a qual pensara por tanto tempo ser o seu refúgio era de fato o seu degredo. Lá isolou seus entes da crueldade do mundo, do desenfreio urbano e da lascívia do consumismo. Sua casa fortificada a consumira em cuidados. Passara os melhores dias da sua vida postada de sentinela, lutando para que as angústias da vida não atingisse aos seus filhos como havia feito com ela. A maternidade transforma os sentimentos humanos. Troca-se o fascínio da aventura pela âncora da segurança. Faz do comedor de ovos um guardião de ninhos, da faladora desbocada a voz da prudência e o ditame da moralidade.
Tudo parece seguro até que os ovos eclodem. As janelas agora não são forçadas por fora, mas abertas por dentro em surdina à sombra da confiança. São os filhos que quebram as cascas dos ovos, por isso são chamados de rebentos. É dura e triste a sensação de ter lutado em vão. Os sonhos construídos na fornalha do sacrifício são agora desfeitos na moenda do descaso, da ingratidão explícita e no curtume da indiferença. O segundo parto dói muito mais que o primeiro. No primeiro o sonho alivia a dor, mas no segundo é o desfazer dos sonhos que provoca as dores. Num nasce a esperança no outro a desilusão. Num a alegria de conhecer quem chega no outro a tristeza de se desconhecer quem parte.
Já não sabe se chora por si ou por eles. A dor da desilusão é tão profunda quanto a amargura do desterro. Busca conforto no sentimento da obrigação cumprida, mas este foge dela lançando-lhe ao rosto a sua vida usada e o seu esforço inútil em favor de quem não o merecia. Posteriormente, depois de aprender a suportar a amargura da derrota, tentará achar no sorriso infante de seus netos o bálsamo de gratidão que lhes devia os filhos. Pensando bem, se tivesse a chance de recomeçar, faria tudo do mesmo jeito. Carregaria consigo a dor da abnegação vazia, mas guardaria sempre em seu bojo a certeza de que amou acima da razão e que tudo fez para que eles fossem plenamente felizes.
(Samuel da Mata)
De repente ela caiu em si - estava só. Descobriu que a sua fortaleza de pedra, intransponível aos olhos do mundo, a qual pensara por tanto tempo ser o seu refúgio era de fato o seu degredo. Lá isolou seus entes da crueldade do mundo, do desenfreio urbano e da lascívia do consumismo. Sua casa fortificada a consumira em cuidados. Passara os melhores dias da sua vida postada de sentinela, lutando para que as angústias da vida não atingisse aos seus filhos como havia feito com ela. A maternidade transforma os sentimentos humanos. Troca-se o fascínio da aventura pela âncora da segurança. Faz do comedor de ovos um guardião de ninhos, da faladora desbocada a voz da prudência e o ditame da moralidade.
Tudo parece seguro até que os ovos eclodem. As janelas agora não são forçadas por fora, mas abertas por dentro em surdina à sombra da confiança. São os filhos que quebram as cascas dos ovos, por isso são chamados de rebentos. É dura e triste a sensação de ter lutado em vão. Os sonhos construídos na fornalha do sacrifício são agora desfeitos na moenda do descaso, da ingratidão explícita e no curtume da indiferença. O segundo parto dói muito mais que o primeiro. No primeiro o sonho alivia a dor, mas no segundo é o desfazer dos sonhos que provoca as dores. Num nasce a esperança no outro a desilusão. Num a alegria de conhecer quem chega no outro a tristeza de se desconhecer quem parte.
Já não sabe se chora por si ou por eles. A dor da desilusão é tão profunda quanto a amargura do desterro. Busca conforto no sentimento da obrigação cumprida, mas este foge dela lançando-lhe ao rosto a sua vida usada e o seu esforço inútil em favor de quem não o merecia. Posteriormente, depois de aprender a suportar a amargura da derrota, tentará achar no sorriso infante de seus netos o bálsamo de gratidão que lhes devia os filhos. Pensando bem, se tivesse a chance de recomeçar, faria tudo do mesmo jeito. Carregaria consigo a dor da abnegação vazia, mas guardaria sempre em seu bojo a certeza de que amou acima da razão e que tudo fez para que eles fossem plenamente felizes.