Sobre o sobre
Isso não é sobre hoje. É sobre os dias vistos depois. É sobre ver a mesma água no rio, mesmo na aurora mais vazia. É sobre ver germinar a semente que vive na brasa. É sobre ver o fogo do sol ofuscar a labareda que nos queima por dentro. É sobre ver a beleza do céu noturno que não está nas estrelas - e estas que não estão nas noites.
É sobre os relógios atrasados e calendários errados. É sobre ver os mesmo olhos reluzirem o azul do frio conforto, não do céu. É sobre ver o mesmo vento tocar teus lábios sem que realmente tenham voltado de tua partida. É sobre o meio da jornada, não sobre tua morte ou nascimento. É sobre a vida, não sobre viver. É sobre o espelho, não seu reflexo.
É sobre o tempo esquecido na curva da reta. Sobre os pedaços estilhaçados de um pote, não de um órgão [tão vital]. É sobre o som deste, não tua teoria. É sobre as cinzas [vivas] de uma fênix, não sobre tuas chamas. É sobre o grito, não por quem se chama. É sobre o sussurro com frequência inaudível, não o que foi dito ou não dito. É sobre tocar o que nunca nasceu ou morreu, mas que existe por existir, em algum lugar dentro do fim e o início de um mês.
É sobre tocar as nuvens d’baixo d’água, não sobre o pingo que separa letras, ou os olhos. É sobre o que se vê, não como se vê.
De dentro da pupila, aqueles buracos negros sem fim, onde tudo se cria. Tudo por existir. Aconteceu como um pisco. Aconteceu até que se viu. Estilhaçando em incontáveis pedaços de vida, e, depois de tudo, inside it all feels the same)