A CRISÁLIDA DE BELISA (VOO DAS BORBOLETAS NO INVERNO)

Noites frias em passear solitário pelas longas e largas calçadas dos afetos humanos, a pisar os cimentados passos de vidas e vidas de incontáveis emoções e sensações, petrificadas pelo passo da vida e da morte rumo à eternidade. As almas a decorar a antiga alameda dos sonhos, e lá ao longe os mastros vestindo o colorido das nações, a dançar alegremente as Sayas Morenadas tocadas pelo sopro frio da estação. As duas praças e o Passeio Público entre elas, perfumadas com a fragrância doce deixada pelas lágrimas célicas que trazem pureza e frescor. As emoções a perfumar as horas que se dispersam em um átimo pela brisa de surpresas: ylang ylang, patchouli, sândalo, petigrain, limão, baunilha, canela, cevada, almíscar, âmbar, cravo, musgo, carvalho, feromônios... As luzes a decorar a noite no agitado Passeio Público, com seus belos jardins de prazeres, sua relva de deleites e seus canteiros de ilusões e sonhos, cercados por bancos de esperança a esperar ansiosos por quem os decore e os perfume, e pelas largas calçadas de cristais de sal e açúcar cimentados, a cintilar as luzes em um círculo de ilusões! O frescor arborizado a embelezar a paisagem noturna. Euterpe a inspirar os coretos que esperam os músicos para sonora decoração. Os pergolados floridos com o romance e a amizade. Tudo florescendo neste espaço público dedicado ao sonho e à fantasia! 
 
A leveza dos passos a ecoar na eternidade. O ventilar da alma em suspiros serenos. E os olhos a atracar suavemente em um banco de alegrias, adornado com corais de loucura trindade a fitar-me como indefesa presa. O arpão da sedução a rasgar-me o peito, arrastando-me para os recifes, e junto a elas passo a decorar o colorido banco. O Vento Divino sopra do Leste – da Terra do Sol Nascente, soprado por Kaze No Kami – atraído pela asiática trindade, e com ele traz dois espíritos dos bosques, duas jovens divindades femininas – amigas da Loucura, da Ebriedade e da Fantasia – protetoras do Clã Taira, conhecidas apenas como Kamis pelos nipônicos e ligadas a Soumoku No Kami, deidade das árvores e vegetais. As duas divindades pairam diante de nós e vem ao nosso encontro. A mais nova – tão jovem e pura que o amor ainda em crisálidas se ocultava em seu sensual ventre – a atravessar-me os vitrais em sedutora troca de olhares no contemplar da minha alma, pede à Loucura que lhe entregue sua pesca em oferenda a ela, o que devotamente é atendido. A jovem divindade canta seu nome em um doce sussurro de jasmins: – Belisa! Então, cativo por um canto mais irresistível que o canto das Sereias, passo a conhecer o nome de minha nova Senhora, e junto a elas sou levado pelo nipônico Vento Divino – rapidamente vê-se El Prado ao longe. Ao lado da diva, nova troca de olhares. Olhos meigos, tão escuros quanto as noites mais profundas; penetrantes, a esquadrinhar minha alma desvendando-me todos os mistérios e segredos! Olhos a faiscar, hipnóticos, como o sinuoso encanto da serpente a enfeitiçar a presa, envolvendo-me e cativando-me. Completamente entregue, daqueles olhos não podia libertar-me! Olhos ternos, onde se podiam ver as profundezas da alma! Janelas claras, puras, de onde vinha a luz da verdade e do amor por despertar – verdadeiro amor? – a iluminar-me a noite! O esvoaçar de sua abundante cabeleira a enegrecer as cercanias, espalhando a escuridão e aumentando o mistério e os encantos noturnos; sua nívea tez a exalar o doce perfume da sinceridade, e dela gotas de sedução a brotar; os fogos da paixão a irradiar de seu belo e voluptuoso corpo; bondade e candura a irradiar de sua face meiga! O conseqüente, inevitável e irresistível encontro das mãos a envolver em belas-artes o mágico rapto – digno de tornar-se mito! Meus dedos e os dela em um entrelaçar de almas que desperta o amor na diva, transformando seu ventre em tela para minhas pinceladas impressionistas, pintando a obra prima do revoar das borboletas a sair das crisálidas aos montes, em um festival de matizes que deram o toque final: o nascimento do amor que a leva ao renascimento, à ressurreição! Borboletas do amor jovem, que nunca envelhece, que nunca se finda – eterno! Borboletas do renascer da alma, que os espíritos da natureza ao pleno renascer os leva! Pleno renascer, sublime ressurreição! À crisálida a lagarta; ao sepulcro a deidade inocente! Da aurélia uma belíssima borboleta a eclodir; de um espírito da natureza uma poderosa deusa a nascer – da ciência do bem e do mal conhecedora, cujo nome pelos mortais é incognoscível e impronunciável! Em eterno revoar, suas madeixas convertidas em pendões de borboletas negras formam o véu do matrimônio perpétuo – negro para os impuros, branco para os puros e dourado para os deuses – a envolver os casais mortais em plena felicidade! E surpresos ficam os deuses ao verem a Deusa da Beleza a enamorar-se do devoto em pleno despertar do amor matrimonial! Vejo o revoar das negras borboletas a envolver-me, e tudo passa estranhamente a clarear. Sinto a alvacenta seda a acariciar e envolver meu corpo em amorosa crisálida. Como Izanami a convidar Izanagi para os deleites do amor, a diva passa a enlaçar-me com uma pequena fração das ditas do amor matrimonial, e passa a invadir e dominar meus sonhos. Perco a noção da realidade em meio ao idílico e onírico passeio, e não mais quero despertar; quero a eternidade passar ao lado da deusa, em profunda adoração! Meu corpo volto a sentir, e sua delicada mão fria pelo natural declínio sazonal passa-me uma deliciosa frieza e estática que a meu ventre faz estremecer! Com o sedoso toque de Belisa sinto-me leve como o ar que me falta nesse romântico instante, e passo a evaporar e dispersar com o calor do súbito e febril toque de seus lábios finos e delicados, em um beijo de amor com sabor proibido de furto a roubar-me a alma e arrebatar-me o coração, elevando-o ao cintilar das estrelas – roubo consentido, desejado! Beijo molhado a ferver os lábios, a língua e a boca em um caldeirão de desejos, a dispersar-me ainda mais em ebulição, como em mágica poção! Sinto-me translúcido, rarefeito, mas as pinceladas artísticas de seus lábios e o delicioso gosto vermelho da tinta labial fazem de meu rosto uma pintura surrealista de paixão, amor e loucura, e volto a tomar cor, ruborizar, em brasa acender, deixando pelo menos uma assinatura de calor – rastreável! 
 
A leveza do lépido vento a tirar-me a noção do tempo – perdido para trás em algum lugar ou momento do espaço-tempo – e a findar tão esplêndido passeio, deixando-me em confuso despertar, como se de um sonho começasse a regressar, e de meu leito posso vê-las serem sopradas para longe, em abandono deixando-me, sem saber se nos domínios de Baku-youkai estou ou se em estado de vigília me encontro; sem saber se tudo não passou de um sonho ou se minha vida começou agora! Então ouço os brados divinos do amor a rasgar o véu da prudência e do pudor: – TE AMO! TE QUIERO! O ecoar da voz da deusa traz sorriso a minha alma, e sem poder conter-me, retorno o ecoar em risos de surpresa, alegria e euforia, vendo sua felicidade refletida em meu semblante, e sinto-me ditoso por sentir um amor tão divino e por ter o amor de uma deusa tão singela – ainda sinto seu perfume; ainda sinto o gosto da cor dos seus lábios! Como a solar Amaterasu, usou sua beleza como um espelho para a minha beleza refletir, fazendo-me sentir especial e valorizado! Ter o amor de Belisa é a maior dádiva e honra que um mortal poderia receber! É uma deusa única, valorosa e de rara beleza! Uma divindade japonesa que exala virtudes e que influenciou povos e culturas desde tempos antigos, ora como Ninfa, ora como Fada; por vezes ligada ao Culto de Ísis, outras vezes ligada ao Culto de Abel! Um tesouro guardado no oceano mais profundo – ninguém tem a chave; ninguém sabe em que ponto remoto do oceano foi deixada! E assim foi o decesso de um ingênuo espírito da natureza e a gênese da majestosa deusa Belisa! Assim foi a gênese do nosso belo e imortal amor matrimonial! 
 
ESCUTAI-ME EM PÚBLICA E SAGRADA LIBAÇÃO, OH AMOROSA DEUSA: – BRINDO À BELEZA DE BELISA: À BELÍSSIMA BELISA, BELA DEUSA DA BELEZA!!!
 

Julia Lopez
03/12/2012


Nota sobre a foto: imagem da internet sem identificação de autoria. Busco exaustivamente a autoria de cada imagem, mas nem sempre a encontro. Caso alguém conheça sua autoria, por favor, me informe para que eu possa identificar a imagem e dar o merecido crédito ao artista!


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Julia Lopez
Enviado por Julia Lopez em 14/03/2013
Reeditado em 11/01/2024
Código do texto: T4187354
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