O FADO DE ANDRÔMEDA
Tardes de melancolia. Solitário. O Fado a ressoar pelo recinto em uma riqueza de acordes de apatia e tristeza, em total ressonância com minhas emoções e com o meu próprio fado. Sinto o toque delicado da fraca luz do ocaso atravessando a janela, transformando a cor de todo o ambiente como o âmbar de um filtro fotográfico, na tentativa de dar uma cor quente ao lugar e tirar-me o frio dos pensamentos. Vã tentativa, pois ainda que luz, lembra-me do ocaso em minha alma, e mais peso deito sobre o envernizado mogno. Luz? Sim, luz; mas fracos – ainda fracos – raios de esperança! Penso no orbe a ter sua incandescência engolida pelos encantos do mar, trazendo o mistério e a solidão da noite. Penso na solidão do mar sem fim. Penso na sucessão de eventos trágicos: o ocaso, o crepúsculo com seus falsos encantos que ludibriam os incautos para a chegada da noite, e aí a noite, a escuridão, as trevas, o isolamento, o medo... Luar em meio à noite? Aurora? Amanhecer? À deriva ou mergulhado nas profundezas abissais do meu pranto, nada tenho além das trevas e da solidão; para mim são falsas promessas de um dia que nunca chegará! Sinto falta do luar, da lua cheia; para contemplar a tristeza e desabafar como lobos em seu uníssono canto – até esse encanto noturno me foi tirado!
Sentado à escrivaninha, em meio às recordações; e o Fado a dialogar comigo; e meus fados contados – ora cantados – em lágrimas para a fadista – minha única ouvinte – em solitário sofrimento. A guitarra dedilhando as desventuras, os desamores, as desilusões, as saudades... e meu coração à deriva em um mar de lamúrias! Lamúrias, lamentos, tortura, tormento, tormenta... isso me traz de volta ao mar! O mar, sempre à guisa de algoz dos deuses – quem não se lembra da sorte de Odisseu nas mãos de Poseidon? –; sempre à guisa de algoz das Moiras, as caprichosas e temidas deusas que a todos acorrenta aos rochedos do infortúnio e os deixam a mercê das ondas do bravio mar da vida, ondas de um mar caprichoso, sempre a mudar de humor – por vezes, repentinamente! Ora calmo, ora agitado, furioso; porém, sempre constante e implacável nas encostas, seja por suas marés – que afogam – ou pelo quebrar de suas ondas – que torturam. Sinto-me acorrentado aos rochedos, entregue à tortura e ao sacrifício, qual Andrômeda com o mar a quebrar em seu frágil corpo, esperando dolorosamente a chegada do monstro marinho que a devoraria em horrendo sacrifício!
Mas basta! Não dirigirei mais ofensas ao mar; não direcionarei mais minha ira e revolta contra ele! Não posso continuar assim, pois tenho um caso de amor com o mar que me mantém refém de seus encantos e de seu humor! Passo noites enamorando-o sob a encantadora luz do luar, e dias contemplando o sol em sua face profunda! Inebrio-me com seu perfume salobro e só me reconforto mergulhado em seus mistérios! Compartilho de sua solidão, noite e dia, mas agora apenas vejo sua parte mais sombria, e não mais vejo sua rara beleza! Vejo-me preso em meio ao Mar dos Sargaços, onde o pranto é mais salgado; onde a vida tudo abandona; onde ao entrar se abandona toda a esperança – como Virgílio e Dante nos portões do Inferno! O dia me assola com seu sol inclemente; e a noite me cobre com sua mortalha negra. Estou perdido neste ponto remoto dos domínios de Oceano – por ele e por suas ninfas esquecido – onde os Anemoi jamais sopram! A âncora que me prende a esse mar é formada por uma liga de dois metais ferruginosos: abandono e esquecimento! Neste cemitério de navios, onde até o curso do tempo se interrompe, vejo sepultada toda minha esperança e alegria, fatalmente fadadas ao apodrecimento e ao esquecimento! Por isso uma faísca de revolta irrompe na escuridão e volto-me contra as Moiras – as verdadeiras culpadas pelo meu infortúnio – e rechaço o injusto sorteio de Láquesis! Não mais as quero jogando com o fio da vida que me pertence, usando-me em títere joguete! Tomarei as rédeas do meu destino; rebelarei-me contra as temíveis irmãs! Quero tecer meu próprio destino e bordar meus sonhos no manto da vida! Quero costurar retalhos, quero costurar remendos! Um novo figurino farei para o meu regresso triunfante aos palcos do mundo! Quero de volta meu papel – vou lutar por este papel! Quero voltar a representar-me no breve drama da vida!
Julia Lopez
Tardes de melancolia. Solitário. O Fado a ressoar pelo recinto em uma riqueza de acordes de apatia e tristeza, em total ressonância com minhas emoções e com o meu próprio fado. Sinto o toque delicado da fraca luz do ocaso atravessando a janela, transformando a cor de todo o ambiente como o âmbar de um filtro fotográfico, na tentativa de dar uma cor quente ao lugar e tirar-me o frio dos pensamentos. Vã tentativa, pois ainda que luz, lembra-me do ocaso em minha alma, e mais peso deito sobre o envernizado mogno. Luz? Sim, luz; mas fracos – ainda fracos – raios de esperança! Penso no orbe a ter sua incandescência engolida pelos encantos do mar, trazendo o mistério e a solidão da noite. Penso na solidão do mar sem fim. Penso na sucessão de eventos trágicos: o ocaso, o crepúsculo com seus falsos encantos que ludibriam os incautos para a chegada da noite, e aí a noite, a escuridão, as trevas, o isolamento, o medo... Luar em meio à noite? Aurora? Amanhecer? À deriva ou mergulhado nas profundezas abissais do meu pranto, nada tenho além das trevas e da solidão; para mim são falsas promessas de um dia que nunca chegará! Sinto falta do luar, da lua cheia; para contemplar a tristeza e desabafar como lobos em seu uníssono canto – até esse encanto noturno me foi tirado!
Sentado à escrivaninha, em meio às recordações; e o Fado a dialogar comigo; e meus fados contados – ora cantados – em lágrimas para a fadista – minha única ouvinte – em solitário sofrimento. A guitarra dedilhando as desventuras, os desamores, as desilusões, as saudades... e meu coração à deriva em um mar de lamúrias! Lamúrias, lamentos, tortura, tormento, tormenta... isso me traz de volta ao mar! O mar, sempre à guisa de algoz dos deuses – quem não se lembra da sorte de Odisseu nas mãos de Poseidon? –; sempre à guisa de algoz das Moiras, as caprichosas e temidas deusas que a todos acorrenta aos rochedos do infortúnio e os deixam a mercê das ondas do bravio mar da vida, ondas de um mar caprichoso, sempre a mudar de humor – por vezes, repentinamente! Ora calmo, ora agitado, furioso; porém, sempre constante e implacável nas encostas, seja por suas marés – que afogam – ou pelo quebrar de suas ondas – que torturam. Sinto-me acorrentado aos rochedos, entregue à tortura e ao sacrifício, qual Andrômeda com o mar a quebrar em seu frágil corpo, esperando dolorosamente a chegada do monstro marinho que a devoraria em horrendo sacrifício!
Mas basta! Não dirigirei mais ofensas ao mar; não direcionarei mais minha ira e revolta contra ele! Não posso continuar assim, pois tenho um caso de amor com o mar que me mantém refém de seus encantos e de seu humor! Passo noites enamorando-o sob a encantadora luz do luar, e dias contemplando o sol em sua face profunda! Inebrio-me com seu perfume salobro e só me reconforto mergulhado em seus mistérios! Compartilho de sua solidão, noite e dia, mas agora apenas vejo sua parte mais sombria, e não mais vejo sua rara beleza! Vejo-me preso em meio ao Mar dos Sargaços, onde o pranto é mais salgado; onde a vida tudo abandona; onde ao entrar se abandona toda a esperança – como Virgílio e Dante nos portões do Inferno! O dia me assola com seu sol inclemente; e a noite me cobre com sua mortalha negra. Estou perdido neste ponto remoto dos domínios de Oceano – por ele e por suas ninfas esquecido – onde os Anemoi jamais sopram! A âncora que me prende a esse mar é formada por uma liga de dois metais ferruginosos: abandono e esquecimento! Neste cemitério de navios, onde até o curso do tempo se interrompe, vejo sepultada toda minha esperança e alegria, fatalmente fadadas ao apodrecimento e ao esquecimento! Por isso uma faísca de revolta irrompe na escuridão e volto-me contra as Moiras – as verdadeiras culpadas pelo meu infortúnio – e rechaço o injusto sorteio de Láquesis! Não mais as quero jogando com o fio da vida que me pertence, usando-me em títere joguete! Tomarei as rédeas do meu destino; rebelarei-me contra as temíveis irmãs! Quero tecer meu próprio destino e bordar meus sonhos no manto da vida! Quero costurar retalhos, quero costurar remendos! Um novo figurino farei para o meu regresso triunfante aos palcos do mundo! Quero de volta meu papel – vou lutar por este papel! Quero voltar a representar-me no breve drama da vida!
Julia Lopez
17/11/2012
Foto: Andromeda, de Gustave Doré (1869).
Visitem meu Site do Escritor: http://www.escrevendobelasartes.com/
Foto: Andromeda, de Gustave Doré (1869).
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