COMO SE NÃO BASTASSE

Eu podia ver os peixes num caudoloso mar de trevas, nadando sempre na superfície, sem profundidade e com pressa. Eu podia ver o abismo e as correntes pelos quais seriam engolidos, se continuassem em frente tão decididos... Eu podia ver as redes sorrateiras aproximando-se rapidamente com seus esqueletos macabros e ressequidos...

Assobiei, fiz sinais, gritei, cartas de alerta enviei, outros caminhos indiquei, quase me desesperei e até, arriscando minha vida, fui até eles e elas: mergulhei.

Os peixes não acreditaram, mesmo eu os amando, não me deram ouvidos. Os peixes pensaram-se infalíveis e grandes sabidos. Riram por eu ser feia, por ser de cor sem chama, por eu não saber nadar e ter penas ao invés de escamas. Acusaram-me de louca, de mentirosa, de inventar histórias horrorosas... E quando, afinal, caíram na armadilha, fingiram ser ela uma amiga.

Depois, como se não bastasse, deixaram que as correntes os levassem

para o escuro abissal onde o sol não entra, garantindo que ali a felicidade se sustenta. Mas não me convenceram, e nem mais nada tentei, apenas fui testemunha e chorei... ao ver tantos peixes serem devorados de modo banal pela alienação monstruosa e fatal.