" SILÊNCIO, SILÊNCIO ..."
Há um hiato de isolamento e silêncio entre as coisas,
há ainda, uma meia escuridão. A água corre no rio,
os dias passam, como o sangue em minhas veias,
um sangue vermelho e morno, persistente.
Reconheço-me nos passantes da rua, todos
estão sós. De vez em quando, ouço um riso,
um esgar, um soluço e olho as ervas
no amanhecer, então penso: tudo pode
acontecer. Quando aconteceu? O que houve?
Desenraizada a vida passou, cumpriram-se
e se descumpriram promessas. O que ficou?
O que restou além de uma lembrança de luz,
quanto esquecimento, há quanto tempo foi?
Aquele resvalante beijo ao acaso, o jeito
manhoso de transitar por meias verdades,
os preconceitos bem intencionados,
a sujeira varrida para debaixo do tapete,
as pequenas e grandes hipocrisias de família,
Os almoços de domingo, o vinho derramado
para dar sorte, a macarronada vermelha,
os risos incontidos, os travesseiros compartilhados,
os sons do passado, um desejo de só crescer
e hoje o silêncio dos caracóis vazios, da casa vazia,
os santos esquecidos nas paredes, os telhados líquidos,
o silêncio, o silêncio...