Minha minúscula lista de legítimos esteriótipos

o rei das possibilidades perdidas;

o verme sem a carteirinha do clube dos vermes elegantes;

o atleta do esporte baseado no ócio;

o ingrato aplaudindo mecanicamente os silêncios;

o melancólico sem a a glamourosa rabugentice dos poetas;

o assassino que culpa-se por ter sonhado que estrangulava o vazio;

o místico assombrado com o inacreditável e doloroso toque de, talvez, deus;

o preguiçoso acordando pela madrugada para cumprir o compromisso de encontrar-se com sua falta de vontade;

o intolerante ouvindo amenidades e estúpidas generalidades e ainda tentando manter dormindo sua úlcera de dentes podres;

o curandeiro abençoando todos os fiéis dignos do vazio nosso de cada dia;

o gentil cavalheiro escarrando escondido da visão das múmias que vêem milagres em simples arrotos reprimidos;

o terrorista sonhando com ilhas paradisíacas, com o dia em que a justiça encontrará a América e com os orgasmos prometidos pelas suas humanas vontades de ilusões;

o bêbado tropeçando em todos os obstáculos sóbrios e imateriais que contrariam sua lucidez;

o endividado que finalmente paga o preço de sua culpa com cédulas falsas;

o apaixonado rebaixando-se a uma adolescência bem tardia;

o mentiroso descobrindo que suas farsas podem muito bem possuírem outros lados;

o réptil desprovido de membros que envergonha as serpentes;

o sensato lacônico que violenta o oxigênio;

o professor monótono que ensina aventuras dormindo;

o vendedor de sonhos dentro de sonhos dentro de sonhos, cruéis e caros;

o ator charlatão atuando escondido num filme destinado a um público de um só cinéfilo;

o arquiteto influenciado pelos passos apressados das pedras poetisas;

o obscuro profeta que negou-se a divulgar suas visões do futuro;

o galã cuja beleza vanguardista ainda não pode ser alcançada pelas visões de hoje;

o mendigo orgulhoso que distribui moedas invisíveis mas em alta no mercado;

o solitário convicto que fez amizade com o fantasma tímido;

o médico condecorado que tem sérias restrições em relação à cura;

o funcionário meticuloso que deixa tudo pela metade, abandona e esquece

e, por fim, o mais perfeito esteriótipo dos seres amantes da incoerência.

20/04/2012

EDUARDO NEGS CASTRO
Enviado por EDUARDO NEGS CASTRO em 03/05/2012
Reeditado em 03/05/2012
Código do texto: T3646966