Recordo-me a mangueira onde debaixo dela, minha mãe gostava de sentar... Catando arroz para fazer o almoço, com uma alegria que tantas vezes desejei vê-la em seu rosto o que era difícil. O vento de maio soprava levemente trazendo-me à memória... Um passado que não era meu, mas que dava-me a certeza de já tê-lo vivido. Tinha uma imaginação, fértil e os pensamentos iam para longe... Por mundos imaginários e longínquo. Recordo nossa casa com sua mobília incluindo um tal de petisqueiro, que era o preferido da minha mãe. O grande casarão do engenho, onde se fazia o mel, a rapadura, o alfenim e a cachaça, eu ajudava meu pai na lida da roça e do engenho e observava ali os passos maçantes dos trabalhadores que iam e vinham como formigas, outros em volta da fornalha derramavam-se em suor. Os bois puxavam as almanjarras fazendo girar as moendas para moer as canas e numa cadeirinha na ponta da almanjarra eu ia sentada, tangendo os bois, enquanto eles giravam em volta das moendas num circulo sem fim...  Ao final da tarde eu ia mergulhar no açude,  nas proximidades do engenho. Outras vezes, eu ia para a roça, sentávamos no chão ali no tijupá, onde conversávamos muito, às vezes sorriamos enquanto ele e outros trabalhadores almoçavam a comida que eu havia levado numa bacia sobre minha cabeça. Pelas sendas, entre as matas frias e sombrias com várias veredas,por onde eu ia andando à pé, atravessando os córregos de águas tão limpinhas... E meio azuladas eu via as pedrinhas e as piabas lá no fundo. As águas me encantavam... E o canto dos pássaros, o bailar das árvores ao vento, O chiar das folhas, acariciava os meus ouvidos, o arrulhar das águas, me me envolviam em seus mistérios. Minha vontade era sobrevoar as copas das árvores, deitar-me sobre as folhas secas no chão e mergulhar naqueles córregos de águas cristalinas, Por onde deciam flores lilás, brancas amarelas vermelhas... Caídas das árvores ao redor. Ah! Que magia! Que encanto e beleza... Ainda bem que que tudo isso está guardado aqui, dentro de mim. O vento também fazia sua festa em casa e o ranger das portas me era assustador. E no açude eu me divertia, os paninhos branquinhos enxaguados com àgua de anil e patoly uma planta que deixava as roupas perfumandas, o anil deixava a água azul e a roupa ficava mais braquinha, enfim lá se vão essas roupas pelos ares, como pipas, ao sabor do vento, arrancando gritos das lavadeiras à beira do açude. Ah! vento da peste gritavam elas. Vento delicioso e fagueiro isso sim, me fazia sorrir, cantar, rodar feito uma maluquinha de braços abertos, as vezes levantava uma poeira vermelha e eu ficava no meio do redemoinho, ouvindo os gritos da minha mãe, me chamando. E o vento balançando as palhas das palmeiras, revirava balaios, derrubava tampas e panelas, levava as folhas secas, pedaços de papéis tudo ia pelos ares, era realmente um espetáculo encantador, nada fugia aos meus olhos. Ainda posso rever em câmera lenta, aquelas ultimas folhas amareladas desprendendo-se dos seus galhos e ziguezagueando rumo ao chão. Lembro meu gatinho, lá do quintal eu olhava pela porta da cozinha e me alegrava ao vê-lo
tomando leite num pires, lá no chão... Um chão
de barro, aterradinho, limpinho e frio. Meu pai também sentado embaixo da mangueira no quintal tomando garapa de cana, com limão, num copo de vidro com bolinhas amarelas e eu observando tudo, calada e ouvindo minha mãe cantar, o assum preto, asa branca, o boiadeiro e noites brasileiras de Luis Gonzaga. Ai que saudades... Que eu sinto...

                             Kainha Brito






 
Kainha Brito
Enviado por Kainha Brito em 26/03/2012
Reeditado em 20/07/2016
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