A boca do vento

- Então.

Então o vento parecia duas vozes, uma voz grave outra mais aguda, fechando os olhos dava para ver dois seres soprando a uns duzentos metros, um grande-forte outro baixo-franzino, os seus sopros eram sincronizados, um dependia do outro, parecia que os dois sopravam quase ao mesmo tempo. Agitava a folha da cana, voltando brincava com as bananeiras, cada uma produzia um som diferente, talvez pelas as características próprias de suas estruturas moleculares, ou pela proximidade da terra-areia que o vento que soprava constante os enchia de pó, não sei. As folhas das canas - olhando agora parecem pernas de grilos formando um arco verdejante crespo que ao tocar uma na outra produz o mesmo irritante som que produz o grilo, mas fechando os olhos, silenciando, se torna uma cantiga gostosa como a do arco em atrito com as cordas do violino executando uma melodia.

Vezes paravam, uma ou outra ousava mover-se, dependia da regência do vento, forte-fraco, sincopado, a poco rall. Os eucaliptos atrás do canavial moviam-se mais rapidamente, pelo tamanho da folha e do vento que muda de lado rapidamente produzindo o mesmo som no alpendre, até querer derrubar a fina estrutura troncal do raquítico filhote. Por entre as flores vejo a inocente bicicleta antiga, agora de um rosado desbotado com algumas inscrições que mais parecem hieróglifos, contrastando-se com o rosa vivo de umas plantinhas rasteiras.

Tem uma planta chamada espirradeira - nunca a vi espirrar, a qual parece concorrer com a cana se bem que as suas folhas são finas e tenras, além disso, suas flores são rosa, nisso diferencia a espirradeira. Das roseiras não ouço som algum, talvez pela estrutura pequena e fina ou talvez pelos espinhos que evitam tocar nos galhos um dos outros e feri-los, mas como irmãos brigam pela formosura de cada cravo ainda fechado, a roseira chia, bem baixinho chia. Acho que inveja a bananeira-mãe que agora de coração aberto certa de seus filhotes crescerem vigorosos e amarelados e que podem receber nomes dos filhotes da macieira, argentum ou mesmo da terra.

O gramado invasor que vicioso e de ousado espalha por um onde há terra e umidade ali parado ao ponto ocular, mas lentamente avança, anda, avança, a não ser pelas folhas maiores inveja as outras formações celulares. Bem num canto do gramado tem uma aveludada de um roxo indeciso que não produz som algum pela sua maciez incubada e nem chia, mas tem um nome regional charmoso que parece coisa de reinado, daqueles antigos, com toda cortesia e fidalguia, agora parece estar nas cortinas, sofás e camas da vasta casa real, onde os veludos se espalham.

A gazânia não se ouve, mas sei que canta, produz o mesmo som da cana e do grilo malvado em baixíssimos decibéis. Gazânia nome de moças da mocidade ou parece ser nome de menina levada que leva os corações dos adultos para um país distante, se bem que nunca ouvi qualquer ser mortal com esse nome, ainda mais moça. Se olhado num ângulo não mais superior que vinte graus têm umas folhas azuis - coisa que nunca vi, outras alaranjadas que me parecem holandesas, por essas terras só fui em sonhos, as azuis diferenciam-se realmente dessas sem ao menos ter sonhado.

Tem uma coroa de um rei que foi morto à espada, outra de um da ordem de algum monastério, frade, e a flor solitária do girassol. Então o vento parou de assoprar, agora só ouço o silencio do jardim, afundado numa cadeira, aqui, bem do lado de cá, onde os insensatos sentem a sua própria insensatez, os altivos a altivez, onde verticalizando tudo ou da mesma forma com horizonte poucos sentem.

Autor Irineu Magalhães

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Irineu Magalhães