O PERFIL

meu coração romântico pensa coisas (o impulso é o raciocínio do pensamento) que não concebo cartesianamente.

e pensa ele que almas são seres e o sendo são imemoriais,

etéreas, e que neste vasto espaço imaterial que habitam se conflitam,

se encontram, se misturam para toda sua eternidade.

outras são paridas da mesma luz, as gêmeas, dispares de corpos se

necessitam como presas de um vício atávico, e se buscam

continuamente por jamais estarem exiladas.

todavia o poeta é o homem há quem é dado viver intensamente os

pensamentos do coração, porém sem ingenuidade. nasci da minha própria luta pela beleza, me alimentei do amor que desesperadamente cultivei, encontrei quem me procurava, abandonei quem me escravizava. se amei totalitariamente, sofri mais com os sonhos que com o corpo, chorei mais pelo irrealizável que pelo perdido, desejei sempre mais ao amor que a amante.

ah! se antes eu soubesse o que agora me revelas talvez houvesse como acreditar. mas nada aprendi, tudo o que sei é continuamente duvidar, e duvido do real pela sua essência ilusória, e duvido da ilusão porque esta sempre quer se realizar, só não duvido do amor, pois este tem a mim e não eu a ele.

conto apenas que seja sincrônico o prevalecer do puro sentimento

com o entender químico, ambos ensinando ao imperfeito pensamento.

somente assim a orgia dos sentidos tem sentido, somente assim há

plenitude na poesia, o poeta pleno nasce do homem indeciso, do menino livre, do lobo faminto, das musas que se multiplicam em uma única idealização de mulher, aquela que nasce de si e ao parir o mundo já não se pertence, como o amor não pertence a quem ama.

eu não sou quem eu já fui, eu não sou o que sou, eu sou o que sinto, penso eu, e já não me reconheço.