Qual o problema de ser diversas em uma só?
Desde menina, expresso-me artisticamente, seja através da música, declamação, desenhos, telas e pincéis ou pelas sendas da escrita poética. Depois, enveredei-me pelos caminhos da Ciência Jurídica. Enfim, uma inspiração criativa e irrefreável sempre embalou os meus dias.
Certa feita, quando aluna da Escola Normal Particular Duque de Caxias, no espaço de tempo destinado a uma aula de Português, escrevi seis diferentes redações sob o título "Uma palmeira sobre o monte", que fora sugerida como tema pelo meu saudoso professor João Evangelista. Espalhei-as para algumas colegas de classe, pelos vãos das carteiras. Na aula seguinte, o sábio mestre entregou os trabalhos com as correspondentes avaliações: nota 10, para a redação que entregara sob a minha assinatura e nota nove para as demais, que eu mesma escrevera. A seguir, postou-se à frente da minha carteira e, dirigindo-se à sala, com a dignidade que lhe era peculiar, iniciou um discurso sobre o tema “estilo literário” e o seu reconhecimento por olhares atenciosos. À medida que o mestre exarava os ensinamentos, percebia a grandiosidade daquela alma professoral, que nos chamava a atenção – minha e das demais colegas - sobre o que fizéramos errado, sem ao menos especificar a nossa infração. Ah, querido mestre, essa lição jamais esqueci!
Pelos idos dos 40 anos, iniciei os meus estudos na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. À essa época, dediquei-me intensamente à pintura e, um olhar superficial, encontrava nos meus trabalhos vários "estilos". Por falta de maturidade artística, incomodava-me a referida observação, até porque eu mesma desconhecia a razão de tamanha e apaixonada expressividade criadora. Ora, os formatos geométricos; ora, as flores em ebulição; ora, as imagens figurativas... Que confusão, aquilo! E acontecia tudo de uma só vez. Pintava três ou quatro quadros, simultaneamente, aproveitando as tintas de um quadro no outro. Era uma conversa só, com resultados tão "diferentes".
Por não suportar mais aquela angústia pictórica, optei por ouvir a opinião profissional da pintora Katie Vanschepenberg, também minha professora no Parque Lage. Ao chegar em minha residência e adentrar aquele ambiente onde se exibiam quatro trabalhos enormes e diversificados, Katie expressou sua perplexidade por tantas "Sílvias" ali presentes e observou que possuía, dentro do meu atelier, quatro exposições distintas. Orientou-me, então, ao exercício de colocar tudo aquilo em uma só forma de expressão artística. Ah! Que tortura! Pintava dia e noite! Mas, nada! De forma alguma conseguia jogar fora nenhum pedacinho de mim.
Nesse meio tempo, fui honrada com a distinção de ser uma das oito pintoras escolhidas para integrar o Núcleo de Aprofundamento em Pintura do Parque Lage. Recebi diversas opiniões e, entre essas, destaco a avaliação da professora Beatriz Milhazes (atualmente, pintora consagrada no mundo das artes plásticas). Muito tranquila, salientou que as minhas preocupações quanto às diversas formas de expressão eram desnecessárias, porque os meus trabalhos guardavam coerência, a partir da força com que desbravava a tela. E, não orientou mais nada, a não ser que pintasse sempre!
Anos mais tarde, frente à banca de doutores que me entrevistou para ingresso no curso de Mestrado em Direito Civil, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a análise do meu curriculum provocou interessantes questionamentos e observações a respeito daquele ser multifacetado que se pretendia apto à pesquisa científica. No decorrer do curso, a minha inquietação intelectual foi imprescindível para o sucesso dos trabalhos requeridos. E, mais uma vez, venci os meus desafios.
Atenciosa que sou a quaisquer orientações, analisei-as todas, na tentativa de organizar o meu intelecto. Desde então, aceito sem restrições as minhas formas de expressão através das artes plásticas e das escritas poética e científica. No âmbito da Poesia, quando o eu-poético que me habita é insuficiente para abarcar a minha inspiração, recorro aos heterônimos e prossigo, sempre a caminho do Parnaso. Não mais questiono os dons diferenciados com os quais fui laureada pela Natureza Universal, conquanto isso ainda pareça estranho aos que possuem "olhos complicados"... Não há necessidade de me angustiar frente às diversas formas de expressão. É preciso que seja ORIGINAL... somente isso!
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Rio de Janeiro, 8 de outubro de 2011 – 23h08
Revisado e ampliado em 14 de maio de 2018 – 9h33