No final do meu arco-íris não havia um pote de ouro...

No final do meu arco-íris não havia um pote de ouro...

...”Cai chuva, cai lá do céu, cai chuva, no meu chapéu. Já está chovendo, enchendo a ribeira, a graúna canta na carnaubeira”...

Quando chove me vêm estas evocações de um tempo distante, muito antigo,neblina gostosa de minha infância. São alegres introspecções bucólicas.

A criançada e eu, no terreiro de terra batida, brincando e o cheiro da terra molhada misturando-se ao cheiro de banana-nanica. Cheiro adocicado de chuva!

Meu pai apontou, descendo a ladeira da encosta do morro, puxando a égua. Os cachos de banana se dividiam no lombo do animal, lado a lado como um cargueiro verde.

Algumas estavam maduras, outras não, algumas até pintadinhas, pintas iguais as da cara da Aninha que era sardenta porque quebrava os ovinhos do tico-tico. Já o Miguel, meu primo, moleque buliçoso e malvado, gostava era de comer rolinha assada. Mas, esta estória deixo para depois. Porquanto, a estória é das bananas.

Como eu adorava bananas! Para mim, Deus não havia colocado delícia maior sobre a terra. Que bom, que banana dava em cachos, em pencas, em dedos, aos montes.

Comíamos banana no terreiro, tomando a garoinha fina na cabeça. Os pés descalços e minha mãe me chamando para dentro por causa do defluxo. Nunca mais ouvi dizer esta palavra “defluxo”. Ao que parece, é uma palavra muito antiga, perdida no tempo, ou nas roças, palavra caída de moda, ou no esquecimento. Ou talvez, fosse um dialeto caipira, expressão imprópria para a cidade.

Voltando ao genérico, minha mãe estava lá dentro de casa, embalando a rede e assobiando um acalanto: “nana nenê, que a cuca vem pegá, papai tá na roça e mamãe no cafezá”.,..

Quem estava sempre no cafezal era meu pai. Minha mãe estava sempre em casa pageando um bebê. Todo ano tinha um, enleado em paninhos pobres, de saco ralo de sal... na rede...

Sem carrinho, sem berço e sem futuro.

Era sempre mais uma Maria. Que Deus abençoasse. E Deus abençoou!

Maria Imaculada, Maria Aparecida, Maria...Maria... Marias.... até vir um João.

João e Maria – vovô era um genuíno mineiro, contador de causos. Ele nos contava estorinhas e esta era uma delas.

Contava e recontava pacientemente e, diante da insistência repetitiva das crianças ele só fazia ralhar: “Ara...ara”...

Vovô plantava fumo, colhia e pendurava aquelas folhas largas e macias no paiol. As folhas iam amarelando, secavam e depois cheiravam, ele as trançavam num rolo, e curtiam... curtiam...

Era enrolando seu cigarrinho que ele contava estórias. Pegava o fumo já picadinho da palma da mão e o colocava dentro da palha, depois de apará-la e alisá-la no capricho,

devagarzinho e sossegado. Era assim, sentado na taipa do fogão à lenha que ele nos proporcionava extraordinárias viagens, além do tempo e da nossa realidade.

Eu ficava imaginando, na estória de Joaõzinho e Maria, quando eles roubavam os bolinhos da velha, que esses deviam ser bolinhos-de-chuva, ou no máximo, de polvilho-doce, os únicos bolinhos que conhecíamos.

Eu gostava de comer banana com a faca, picada em rodelinhas lisas, recendendo e ver as minúsculas sementes no miolo dela. Mas, bananeira não se plantava com sementes, era com mudas. Eu gostava de ver brotar as sementes, principalmente as de milho e as de arroz.

Nos natais sempre chovia. Uma garoinha fina, intermitente e não se falava em natal. Aquele dia especial era chamado de “Dia do Menino Jesus”.

Um dia, nessa ocasião, minha mãe fez um presépio pequenino, numa caixinha de tábua, na qual havia semeado arroz. As folhinhas eram delicadas, verdes e espetadinhas como a grama. Graminha verde-amarelada, cerrada, cheirando um cheirinho novo de vegetal.

Os animaizinhos do estábulo do presépio, também eram vegetais.

Na precariedade, deu-se um jeito: pegou os limões, varou-os com umas taquarinhas que se fizeram pernas, outras mais curtas viraram chifres, e assim fez muitos animaizinhos. Nem mesmo os reis magos faltaram. Sabugos de milho, de repente viraram reis e o Menino Jesus era a mais nova bonequinha do milharal: tenra, pequenina, e angelical de cabelos claros ainda indefinidos. O presépio mais lindo, mais puro e natural que jamais esqueci.

Eu era menina sonhadora, mas nada sabia sobre natais, nem sobre papai-noel. Minha mãe também nunca vira nem acreditara na lenda, por isso nunca nos contou a respeito, e nem deixou que acreditássemos.

Ela acreditava em mula-sem-cabeça,assombração e tinha medo de temporal. Era quase uma menina e era muito medrosa. Eu, por reflexo, também medrosa, tinha medo de muitas coisas.

Caso trovejasse, e se estivesse segurando uma faca de aço, era perigoso. Minha mãe nos punha medo e meu primo também.

Estávamos comendo banana e olhando um arco-íris lindo que apareceu no céu. Ele fazia uma retorta e descia para atrás do morro onde havia um rio.

O arco-íris tinha alma e caprichos, segundo meu primo, ele não gostava de ver faca. Então ele vinha me pegar, pois eu o havia provocado. E, eu que já tinha medo de almas do outro mundo e de tantas coisas, tinha agora, mais uma coisa para temer: o espiritado arco-íris.

Tinha medo de cachorro louco, contavam de uma cascavel voadora que em certas noites sem lua, passava voando pelas bandas do brejo, emitindo seu silvo sinistro. Tinha uma coruja que me perseguia, com seus olhões redondos e amarelos, com cara de mau-agouro, ia me acompanhando ao longo da cerca de arame, saltando de mourão em mourão e piando aquele pio agourento.

Tinha medo também, da alma de uma égua que num dia chuvoso, caiu na ladeira escorregadia, rolou e morreu no remanso da cachoeira.

Havia um tanque de águas escuras que encobria um homem. Quando meu pai lá ia pescar, eu ia junto e colava nele. Aguentava firme as investidas dos pernilongos que quase me devoravam, e ficava até o fim, com medo de que ele caísse no tanque fundo.

Medo de assombração, do sótão, do quarto escuro e de tantas coisas mais.

Porém adorava a chuva! Gostava de andar na enxurrada com sombrinhas de folhas de mamonas e descalça. E agora maculando minha jubilosa chuva, vinha esse espiritado arco-íris me assombrar.

Naquele dia fartei-me, regalei-me com as bananas, até que veio o fim. Já no outro dia, comecei a sentir falta daquele docinho perolado e não havia mais nenhuma.

O cacho verde estava encerrado no interior da terra, quieto, aguardando a maturação dos frutos. Meu pai havia aberto, no seio da terra, uma estufa rudimentar. Primeiro cavou uma cova bem funda, depois ateou fogo utilizando palhas secas, no interior dela. Forrou os lados da cova com as folhas da bananeira e ajeitou lá dentro o cacho, fazendo uma cobertura de gravetos e folhas secas para finalmente cobrir tudo com terra. Logo, logo as bananas estariam madurinhas.

Mas eu estava impaciente. A vontade de comer as frutas aumentando a cada dia. Esperei passar uma lua, duas luas e depois desatei num berreiro. Meu pai a contragosto, foi obrigado a abrir a estufa, na certeza de que encontraria o cacho ainda verde, só para me acalmar.

Minha impaciência somente serenou ao ver despontar, diante de meus olhos arregalados, o extraordinário cacho, bem amarelinho com as frutas caindo de maduras, enchendo minha boca, bem aberta para o lauto banquete daquele dia.

É assim que na minha vida, no final do arco-íris não tinha um pote de ouro, mas sim, um cacho de banana.

Trecho extraído de meu livro “Primícias” contato através de Email:

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Maria Barreto
Enviado por Maria Barreto em 02/10/2011
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