" ORFEU NO INFERNO "
Quem me desdenha
em gargalhadas destes poemas toscos
e no entanto, brinda-me com algum verso
lumino?
É Orfeu que ao alcance de meus ouvidos
ronda a minha pena. Vem a mim
com palavras entrincheiradas.
Tateiam-me à distância com estes versos.
Fala-me e me comove
a voz de Orfeu
que me encanta.
Fala-me com voz em melodia
em adágio de pupilas claras
que me faz alegre como criança
e me embala em seus braços.
Dá-me conselhos dependurados
como aguilhão em brasa.
Quem ao pé da orelha
permite a minha pena a posse
de uma mercadoria frágil,
tal o mamilo de mulher?
A paixão o consumia.
Eurídice e Orfeu se festejam
em boda iluminada
por uma tocha acesa de Himeneu.
Antes que se consuma,
Eurídice banha-se no lago
e brilham seus olhos tão amados.
Por uma picada de serpente,
Eurídice desce aos mundos torturados,
quando um grito lhe sufoca a garganta.
Orfeu, resoluto vai em busca da amada,
atravessa o Estinge, o rio dos tormentos.
Mais além as almas gemem.
Na terra dos tormentos Orfeu entoa
a melodia
e canta com maviosa voz.
Seu canto, por um momento
mata a sede de Tântalo,
dá trégua a Sísifo.
As Danaides param extasiadas,
a roda de Ixião não gira,
as Fúrias choram comovidas.
Hades e Perséfone entregam
Eurídice ao filho de Calíope.
Sob o signo de Orfeu
não há possível cega obediência
e o Ciclo do Tempo segue:
Qual rubra a cor do vinho,
a selvagem paixão morre
no canto de Orfeu!
Dá-nos Orfeu, não orgia
ou desumana dor,
mas a esperança,
a frágil beleza do amor
e mesmo uma carícia,
a lassidão mais pura
que há no céu.