CATARSE

Não consigo conter o choro.

O grito ainda retenho, mas custa muito ao peito porque dói,

ele quer sair.

Minha casa está uma bagunça. Tudo fora do lugar. Cama, gavetas, armários, chão, parede...

Deve haver um jeito de arrumar.

Os papéis estão empilhados, enxovalhados.

Tropeço no tapete e debaixo dele há muito destroço.

Quero gritar, quero arrumar, quero consertar, quero acertar.

Minha casa está de pernas para o ar

e a contemplação atônita e estéril só acumula o desarranjo.

A fantasia de estátua não ajuda. Já, já servirei de cabide, chapeleira, presa e perdida no cenário.

Talvez devesse começar “lavando as mãos”, mas isso seria covardia. desistir, deixar a casa e partir.

Deixar a decisão, a arrumação para outro, na multidão... Sentença final da casa bagunçada.

...Apague a luz, tranque-a a sete chaves, deixe-a implodir...

Definitivamente este não seria o começo, seria o fim.

Talvez o começo seja respirar,

contar setenta vezes sete, perdoar os lapsos, os deslizes, o acúmulo de coisas grotescas, a preguiça, o desânimo em arregaçar as mangas.

Depois do perdão... Ah! Muita água nas paredes, água fresca e limpa da cabeça aos pés.

Depois do perfume de alma lavada... Sentar, abrir as gavetas, ajeitar cada coisa com harmonia, descartando o supérfluo, o inadequado.

Gavetas equilibradas, armários, baús, prateleiras... Sem excesso, sem poeira, sem bagagem.

E depois da faxina, enfim, boa música ao redor da lareira e posso dançar, soltar o grito de alívio, abrir a janela e sair um pouco batendo as asas,

não mais presas e empoeiradas. Agora livres, leves e limpas como o resto da casa.

Valéria Escobar

20/08/2008