CASA QUE SOU

Algumas palavras e sensações parecem nos perseguir. Insistem em aparecer, fazer parte de um momento, de uma idéia... Sugerindo hora libertação, hora clausura. Aconchego ou desassossego...

“Casa” é a minha palavra insistente.

Penso que cada miudeza, qualquer pedacinho de idéia que se configura em palavra, de alguma maneira se reporta a minha morada. Quero entrar na casa, ajeitar as coisas ou apenas me acomodar. Abrir janelas num devaneio claustrofóbico, deixar a luz entrar. Destrancar o sótão para libertar fantasmas. Explorar cada recôndito da casa, sentir-me inteira dela, nela, ela.

Toda morada precisa de faxina vez por outra.

Algum canto, simplesmente finjo ignorar e isso é ruim, porque um dia, lá estou, cara a cara a enfrentá-lo, a revelia do meu querer ou da minha coragem. Frente a frente para explorá-lo, senti-lo ou consertá-lo caso seja este o motivo do abandono. Canto com rachaduras, ranhuras, tinta desbotada, telhado avariado, poeira acumulada.

Esta casa alegórica, capaz de capturar e medir meu humor, minha auto-satisfação, comiseração... É toda “olhar”. Olhar que lanço em mim, para dentro de mim. Idéia que tenho e desenho do lado de fora.

A casa é meu ponto de partida e é também minha chegada. É meu ponto de encontro. Um tanto me aprisiona, outro tanto me aponta caminhos para a alforria.

Na minha casa recebo afetos, anjos, carícias, forças... Da minha casa expulso demônios, correntes, barulhos...

Casa minha, casa vizinha, sobradinho, casario, cabana, castelo. Quintal, pomar, jardim, cozinha, quarto, noite, dia... Casa... Que tanto mostra de mim esta casa?

Valéria Escobar

Março / 2009