A MULHER NA JANELA
Vejo uma mulher no peitoril da janela. Olhar fixo em nada, lábios entreabertos com um quê de quem sorri. Mas, a distância abissal que os olhos deflagram, o vinco num canto do lábio, desmente o sorriso, mostra a demência.
A mulher na janela viaja para algum lugar, ou lugar algum. Fio solto, absorto, figura invisível que espia o mundo do lado de fora com suposto desvelo e atenção.
O que a mulher vê?
Esta mulher... estátua de cera, estanque, presa do lado de dentro da janela...
Parece pertencer àquele cenário, parada em sua debilidade, noite e dia, sem alterar a posição.
A vida, indiferente à estranha mulher, continua seguindo seu curso... complexo, perplexo, rápido, desvairado...
...Pessoas, carros, barulhos, sol, lua, estrelas, calor, calafrio, chuva, vento, tudo acontecendo a despeito da parca existência da figura na janela, de cabelos mal tratados, fios brancos e crespos, desgrenhados ao capricho do vento, embora um pouco presos num coque grudado à nuca.
Figura esquálida, cujos olhos vagos não deixam escapulir dor, alegria, rancor, possíveis amores, dissabores, perdas... nada...
A mulher espia e expia. Corpo ali, do lado de dentro, alma (sei lá), do lado de fora.
Por que perder-me nesses devaneios? Por que tentar desvendar os mistérios da mulher? Por que tentar despertá-la, descortiná-la, dissecá-la?
Um mundo de coisas passam por mim ao contemplar a mulher e a janela. Um calafrio me reveste.
Fujo a tempo.
Mas amanhã, passo novamente do outro lado da rua e vejo-as... mulher, janela.
A mulher sem vida, a janela ganha vida. Vira personagem no cenário que me devora.
Não posso me render, fico do lado de fora, sou só expectadora do espectro.
A janela devorou a mulher.
Valéria Escobar