MINHA TAPERA
Quem dera fosse uma mansão
Com quarto, cozinha, banheiro e salão.
Não, não era.
Era miúda com cacto crescendo em suas telhas,
Como cresce verrugas em crianças que contam estrelas.
Tortinha e pensa,
Baixinha e magra,
Suas varas apareciam amarradas com embira
E coberta com folhas de marmeleiro.
Parecia um menino buchudo e desnutrido
Com os pés cheios de feridas.
Assim, ficava
Quando o barro começava a caí dos paus que a segurava.
Barroquenta e fria,
Com meus pés tocando o chão,
A sentia e a via,
Com os olhos remelentos rodeados de mosquitos.
Suas janelas viam os lados
E quando suas portas se fechavam,
As tramelas eram transpassadas
Para dar segurança;
Segurança desnecessária.
Em suas paredes estavam as digitais
Dos dedos marcados no barro seco,
Legado da luta que foi construí-la.
E as frestas de suas telhas,
Quando não tinha uma lata de óleo aberta substituindo uma,
Clareavam o chão batido do piso.
As restas redondinhas ou ovais
Seguiam seu caminho ao contrário do sol.
Em suas rachaduras,
Ficava o habitat dos insetos,
Que furavam seus buraquinhos redondos.
Maribondos também faziam suas casas
Nas linhas de facheiro ou nos caibros de mufumbo.
Minha tapera,
Que não era só minha,
Abrigava sapos, ratos,
Cobras, lagartixas, víboras, maribondos e muriçocas.
Minha tapera,
Que na chuva quase se desfazia por completa
e que na minha infância seu barro era comestível
Tão fria e lamacenta,
Fedorenta e fumacenta.
Lembro ainda do teu fogão de lenha,
Das tripas e preás espendurados num cordão,
Da portinha toda emendada,
Dos armadores da minha rede,
Do pote no canto da sala,
Do cupinzeiro na furquia.
Ah! Que lembrança salgada,
Lembranças das noites mal dormidas
Em que as goteiras caiam dentro de minha rede
Ou os grilos cantavam nos rachões do barro até de manhã.
Velha minha,
Velha tapera,
Hoje já não estais aqui.
Teu barro foi nas águas do riacho
Que tanto nos acordou no meio da noite (com água)
Querendo nos levar.
Tua madeira foi queimada nos fogões da vizinhança
E nas fogueiras de são João.
Tuas poucas telhas
Não serviram para nada,
Nem mesmo para cobrir a casa do meu cachorro,
Virou aterro para o baldame de tua substituta.
Minha querida tapera,
Da minha infância nostálgica,
Ainda lembro de teus quatros repartimentos,
Da meia parede,
Dos papelões tapando teus buracos,
Das pontas de vara nos portais
Arranhando-nos os braços ao passar.
Quantos sonhos de te substituir
Elaborados dentro de ti!
Separamo-nos
Como quem há tempo desejava.
Mesmo ao longe,
Via-te erguida.
Tristinha,
Como se sentisses a minha saída.
Em pouco tempo,
Viesses ao chão
Se desmanchando por completa
E não duraste muito até desapareceres,
Ficando apenas marcas tuas
Do lugar onde foste erguida.
Não te guardei os restos mortais pequenina,
Mas te gravei pra sempre em meu coração,
Que parece te encontra em cada arranha céu que vejo,
Hoje, ele parece ser do mesmo barro que você,
Pois acolhe a todos
Dentro de seus limites, que queira nele viver.
Linosapo
Cachoeira do Sapo/ RN.
Homenagem a tapera em que vivi minha infância