A Moça da Janela

“De tudo, que fique: a certeza de que estamos sempre começando.../a certeza de que é preciso continuar.../ Portanto temos que fazer da queda um passo de dança.../do medo uma escada.../

do sonho, uma ponte”.

Fernando Sabino

Trazemos dentro de nós tantas coisas!

Somos espíritos milenares, por isso mesmo a complexidade de nossa memória.

Cabem dentro da minha cabeça: uma galáxia, sóis, desertos, jardins, uma casa, um carro, castelos, batalhas vencidas e amores perdidos...

Tudo isso e muito mais, trago dentro de mim; mais particularmente uma janela. Pois, trago em minha memória uma janela, similar a de Chico Buarque, diante da qual, o tempo passava e Carolina não via...

Naquele tempo eu era menina e não podia entender como é, que Carolina podia ver o tempo passar pela sua janela, sendo ele abstrato. Depois disso, conheci outra janela, a que me ensinou como era que o tempo passava.

A moça que era a alma de tal janela, já tinha perdido o bonde do tempo, e debruçada diuturnamente sobre o peitoril, tentava alcançá-lo. Era uma dessas moças que a sociedade chama de solteirona “que ficou pra titia”.

Uma mulata interessante, mudava o penteado, fazia um coque diferente toda vez que saía à janela; trocava os sapatos, pois os tinha em variedade. E como Cinderela, escolhia esmeradamente os sapatinhos, na esperança de que, a qualquer momento, pudesse passar diante de sua janela um príncipe e, a convidasse para um passeio na praça. Coisa essa que nunca vi acontecer nesses anos de janela.

Hoje sei, que, por mais que a moça sonhasse se casar, jamais poderia realizar o sonho. Porque o seu desejo vivia no presente, mas sua cabeça no passado. Não conseguia ver o príncipe passar, pois o que ela realmente observava através da janela era o seu passado longínquo.

Sei disso, porque, a cada suspiro seu, podia-se adivinhar o que ia dizer: “Ah, como pude perder o fulano... Aquele sim era moço bonito...”

E desgostosa, repassava e tornava a repassar as peças do enxoval guardado, e ia ao mesmo tempo, remexendo no baú das velhas recordações.

Não podemos voltar o tempo, mas podemos parar no tempo! Focalizando fatos passados com certa regularidade, sempre nos fazendo lembrar de algo que sentimos, ou deixamos de sentir, falamos ou deixamos de falar, permitimos ou deixamos de permitir, estragamos momentos valiosos do agora, quando poderíamos usar a mente “fábrica de eventos” para construirmos o futuro.

“Ninguém que lança mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus.” Olhando para trás, a alma não caminha resoluta e, consequentemente não se liberta dos grilhões do passado. A vida passa a ser uma eterna repetição de erros.

Imagine uma fábrica fechada para balanço, enquanto as outras continuam produzindo o seu precioso pão, seu inigualável azeite, seu rico linho ou seda e, a nossa continuasse paralisada a contabilizar as questões do passado.

Que o passado sirva para nos ensinar e não para nos prender!

Bom, se pudéssemos focar do pretérito, apenas nossas conquistas e vitórias, como forma de mover energias para sustentar nossa fé e convicção de que: assim como um dia fomos felizes, seremos capazes de o ser novamente.

A vida assim como a natureza é cíclica. É necessário saber aceitar quando um ciclo termina e nos deixarmos renovar. As árvores deixam cair todas as folhas no inverno para economizarem energia que será acumulada para o futuro, na produção de flores e frutos abundantes.

A esposa de Ló ao sair da cidade de Sodoma olhou para trás e virou estátua de sal, isto é: paralisou! Nem Carolina de Buarque, nem a esposa de Ló, e nem a moça da minha janela, puderam desfrutar o “Agora” que é uma dádiva, e que por isso mesmo se chama “Presente”.

Quando eu debruçar na janela do meu pensamento... Aliás... Quando eu pegar no arado para plantar minha próxima lavoura de alegrias e felicidades, que eu jamais, olhe para trás...

Maria Barreto
Enviado por Maria Barreto em 19/12/2010
Reeditado em 21/07/2011
Código do texto: T2680805