O JOGO DOS 7

Perdoe-me, meu amor, mas justamente esta palavra, e suas similares, estão entre as que não pronuncio. Pedir desculpas, ou perdão, ou clemência, é coisa de quem faz sem medir consequencias, se acha no direito de errar e sair impune.Todos podemos errar, todos erramos, eu erro muito, por vezes do erro vem um acerto, quase sempre vem é um direto no peito, daqueles que derrubam e tiram a respiração, o juiz abre a contagem, até hoje sempre me levantei, até hoje... considero que errei, que não quero mais cometer o mesmo erro, pronto, apanhei, aprendi, me satisfiz, o que mais? Nada, então, desculpas para quê? Uma personagem do Gide perfurava a perna quando cometia um erro, eu cravo uma estaca entre meus olhos, para que jamais me saia do pensamento.

Meu jogo dos sete não será o jogo que se joga por aí, nunca me dei bem com regras, ao menos não com as previamente definidas. O Pepeu diz que para tocar sua guitarra cria o seu próprio método, para jogar eu também crio minhas próprias regras, nem sempre sou aceito, nem sempre ganho o jogo, principalmente se tiver de jogar para ganhar, eu jogo para brincar, por diversão, para vir a bola rolar, a pipa subir, meu menino sorrir. E todos os jogos que jogo, que coincidência!, tem apenas um nome: viver. Sou quase bom nisto, seguindo as minhas regras, sou imbatível.

Gosto inclusive de pensar que controlo o tempo do jogo, por exemplo, se quisesse acabá-lo agora, neste instante, mesmo sem terminar esta frase, eu acabaria... se for para prolongá-lo, temos hoje muitos artifícios que o fazem, mas em geral eles reduzem o prazer, tiram o tesão de correr à toa, saltar no abismo, mergulhar do penhasco, não, prefiro ficar extenuado ao jogar, ainda que isto me custe minutos demais no pouco tempo de jogo que todos temos.

O que ainda farei até o final do jogo? Amar mais, sim, já amei muito, mas está aí algo de que não me canso. Percorrer uma ágora ateniense, navegar no Douro, rever David, ler O Vermelho e o Negro junto com Marina, conseguir aqueles cd’s do Led remasterizados pelo Page no início dos anos 90, escrever a derradeira poesia mais uma vez, e outra depois, antes de recolher-me à uma casa isolada, a la Hermam Hesse, onde alguém possa até me visitar, mas que ninguém jamais consiga tirar-me a solidão.

Eu sempre falo isto, e falo que o importante é o que vamos fazer a partir de agora, que nada sei, que o amor seja imortal enquanto dure, e que amar se aprende amando, que sou um fingidor, daqueles que sempre sentem sob seus pés as costelas do Rocinante; que não creio em um deus que não dança, que sou meu próprio deus, mas como também não sei dançar, não posso crer em mim. Sim, eu mais repito que falo, porém sou mais ação, para além das palavras gosto mesmo é de praticar gestos mágicos, como o Gandhi fazia.

Sou um humanista, penso, crio, sonho. Será que preciso de mais defeitos? Não, já sofro demais com os que tenho, um sofrer alheio, interno só a náusea, tudo isto apenas por isto, nada mais, aí, isto sim dói. Não tenho qualidades visíveis, somente as risíveis me importam, eu tento ser palhaço mas quase sempre sou patético, de uma integridade indissolúvel, amoral, amorfo, volúvel, sou assim, isto ninguém me tira.

Faltou falar de algo? Amo ao amor, este me tem e eu o coloco em quem me convém, tenho quem me ame, tem gente que não, bobagem, sabemos que no final é sempre ilusão. Ah, sou sonhador, sonho muito e penso mais, sonho consciente o que me torna inconseqüente, já arrisquei muito minha vida, quase ganhei o jogo, hoje fico aqui, escrevendo estas insanidades para comovê-la e convidá-la, como convido a todos, a jogar o jogo, sem regras, sem limites, sem tentos, sem ganhar ou perder, jogar, brincar, viver, vamos fazer isto juntos?