Eu e a noite

Eu e a noite...
Companheiros de uma mesma solidão,
Cúmplices de um mesmo pecado...
Não temos sono nenhum, não dormimos...
Ficamos despertos e assim as horas passam... Lentamente
Café? Eu pergunto. Não, ela responde.
Eu e a noite,
Juntos... Como nunca antes
Parceiros de uma mesma busca.
Mas, o que nos falta?
Não sabemos, tudo já tivemos,
A felicidade, o amor mútuo, a entrega...
E o que preferimos?
O que escolhemos?
Ficar sozinhos,
Solidão para ambos,
Por isso, nos merecemos um ao outro,
Somos como se diz no popular, farinha do mesmo saco.
Somos a erva má que cresce no jardim sem parar,
E quando chego em casa, ela, a noite, me espera,
Com suas estrelas a brilhar,
Bem na minha janela,
E de vez em quando vejo a lua,
Branca rainha... Bonita, cheia de luz pra dar,
Então sinto a noite em toda a sua plenitude,
Grandiosa, envolvente, sagaz
Sinto-a dentro de mim. Imensa, escura e fria.
Não somos, contrario ao que se possa pensar, velhos amigos,
Sequer nos conhecemos,
Mas o destino nos colocou lado a lado,
Não posso e nem quero fugir dela,
Sou feliz ao seu lado, assim...
Às vezes durmo, às vezes quase sempre não,
E lá pelas tantas, acordo... Perco o sono.
E da janela olho-a,
Conversamos...
Ela me conta como foi o seu dia,
Me diz de suas desilusões,
De suas esperanças,
De tudo que sente.
Eu também lhe digo coisas,
Falo tudo que sei.
Nossa conversa é olho no olho.
Não há palavras,
Não nos tocamos,
Mas sabemos ambos o discurso um do outro.
Funcionamos assim,
Sem palavras...
Acho que é pelo olhar que nossas frases se transmitem. Apenas isso.
Eu e a noite, velhos desconhecidos .
Quando chego, ela já me espera.
Olho em volta,
As paredes gritam por uma palavra minha...
Eu apenas olho... Observo.
Nada digo. Nem um som emito.
Deixo meus objetos sobre a mesa de plástico.
Meu ombro esquerdo dói... Muito...
Preciso de um banho... Quente, sem sombra de dúvida.
Um bom banho quente. Depois vou comer. Estou só?
Não, a noite esta aqui.
Presente como sempre. Me olhando.
Me perguntando como foi meu dia.
Quero lhe dizer algo, mas, não consigo, não saem as palavras. Melhor. Calado é melhor.
Falo demais. E isso nem sempre é bom. A noite insiste...
Me sugere algo que é bom.
Algo que eu gosto,
Porém,
Tenho muito que fazer, não posso brincar agora. Não posso.
Tenho que ler e ler e ler.
Ler textos e mais textos.
Entender isto e aquilo.
Entender como, se por mais que me esforço nada leio?
Dificuldade interior.
Até parece que sei tudo...
Eu tento e nada consigo.
Nada leio.
Devolvo os livros que com tanto carinho e dedicação escolhi, na biblioteca,
Pensando nas horas de leitura prazerosa,
Doce ilusão.
Devolvo os livros, quase todos mal lidos,
Nada ficou na cachola. Que posso fazer? Sou assim. Quero ser diferente mas, não consigo.
Levei vinte anos para parar de rir e ficar serio.
Me pergunto quanto tempo levarei para me disciplinar com o hábito da leitura...!
Assim, vou seguindo, vou enfrente,
Levo a vida o melhor que posso.
E junto, a noite segue. Companheira.
Amiga. Estamos lado a lado.
Ela também está triste, mas não é sempre.
Há momentos em que as estrelas brilham intensamente,
Sei então que ela está muito feliz.
Eu, nem penso mais no que isso quer dizer.
Felicidade. Estar feliz.
Que estado é esse?
Tenho vivido tanto a beira da solidão, que esqueci o gosto da tal felicidade.
A noite e eu, eu e a noite...
Belo par noturno.

Noite de 24 de março de 2009.
Allan Cal
allan kall
Enviado por allan kall em 28/07/2010
Reeditado em 09/08/2010
Código do texto: T2404330
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