No céu pequeno, estreito, cinzento, desta cidade que já foi minha, caiu a lua num soluço; balança suspenso por estações orbitais um relógio renascentista, a marcar instantes efêmeros, tão rápidos, tão constantes, fazendo o tempo eterno.

O relojoeiro ninguém sabe se existe, apenas a crença e a pequenez da alma o justificam, mas ele dança? Se dançam anões em casca de tatu, se valsam jacarés sem peles e sem pés, se os rios se contorcem e morrem secos e poluídos, porque no céu nunca houve tangos e Maria jamais debutou?

Reflexões de um velho bode impavidamente deitado no cruzamento da Paulista com a Augusta, enquanto transeuntes despejam frascos de perfume francês sobre seus cascos e penduram coroas de crisântemos em seus chifres, porém são seus pensamentos de bode velho que incomodam estes corpos anabolizados e inconscientes, que não suportam a razão e preferem rasgarem as roupas, rolarem sobre os carros, transarem com computadores e pedir pizza pelo celular.

Alguém chamou o moto-boy e ele veio a cavalo; tempos modernos em que mães modernas dão à luz bebês micro ondas, bebês estereofônicos, bebês de bateria alcalina, atômica, eólica, etílica. Estamos no jardim de infância do universo e já perdemos o tesão por aventuras lúdicas; matar rios, desmatar florestas, monóxido de carbono, clorofluorcarboreto, amônia, tudo isto é mais divertido, definitivo. Dar um tiro num moleque de sinal, afinal, qual o mal?

Minha Rapunzel fez um corte punk, meu Rocinante tem injeção eletrônica, meu espinafre contém agrotóxico, mas não importa,  meus inimigos são virtuais. Vou encher de asteriscos a minha poesia, assim, quem sabe, alguém pense em mim como o filósofo da não comunicação, sem estilo, sem estética, sem temática, somente um corpo torto desfalcado de sorrisos, o branco antebraço armado, um olho vitrificado refletindo azaléias nas aléias asfaltadas, o outro olho perfurado, observando sentimentos ser pronunciados, palavras amarradas, gestos abortados.

Vou fazer do amor meu crime, do sexo a minha redenção, das formas minha resolução, vou pedir esperança, esmolar tolerância, vou ser o que sou, ainda que despenquem estrelas, que voem baleias, que o trem das sete saia às sete, que você não me ame.

É possível que toda impossibilidade mereça não acontecer, se não há deus, como saber?