neste momento não sei se posso permitir-me reflexões, creio que tudo que verto no corrente são alucinações produzidas pelo medo do que aconteceu e a ternura do amanhã, são rascunhos de versos que escrevo à beira da lagoa, namorando a lua do céu, amando a lua da água, Ismália masculinizada e confrontada com o ponto duro da consciência, loucura, mas que loucura é esta que me seduz, encanta, instiga e alavanca?
 
somos hoje náufragos do mesmo barco, um navio-fantasma que navegou mares sombrios impondo sua bandeira, fazendo ouvirem-se seus canhões, sua fúria, sua ganância de vida, arte, parte do pó, parte do sal, desdenhando bem e mal, luz  e escuro, o podre e o puro, o poder e o muro. sobrevivemos e cantamos em nossa glória, donos da tábua de salvação do mundo, feita da cal da esperança, esta penúria pandorana; feita das lágrimas de deus, criatura hermética que não admite que morreu; feita de pétalas de flores, de restos de amores, do eco dos risos, de crenças e rezas e terços, moldada por xamãs, profetas e ascetas, a tábua espúria que paira sobre o lodo abissal, de onde partimos hirtos para a terra descomprometida, surrada, usada e desterrada, ela mesma expulsa de si.
 
fazemos assim um ver e um sentir, um querer e um buscar, um dar  e um estar, trocas, fusões, antecipações, sintonia e sincronia, bem-querer e bem-estar, meu olhar é o seu olhar, meu corpo pulsa no seu, só a mente vaga bela e solitária, desesperada, fazendo trocadilhos, rimas, estigmas, renda de espartilho ou o dedo no gatilho? qualquer que seja a resposta há um tiro que atinge a infinita inquietude deste dia ameno que segue o dia branco de ontem, um tiro que marca a passagem do desejo para o motivo do beijo, fomos e vivemos em um só, e se voltamos foi porque minha mão conduziu a sua, e sua mão apertou a minha, jamais retornaremos à inocência do querer pelo querer, do amar o amor, fomos subjugados pela fome e a fúria, a cólera e a fadiga, armas da sempre vitoriosa paixão. se perdemos vencemos, antes lobo agora matilha, antes lua agora luar, antes água agora chuva, inundação, açude verde, oceano rubro, cromaticamente atados, alados, amados. sobreviventes.