A TI, DIANTE DOS TEUS OLHOS...
A TI, DIANTE DOS TEUS OLHOS...
Rangel Alves da Costa*
Venha cá, sente perto de mim que vou contar uma história. Primeiro vou lhe fazer cinco perguntas, mas não precisa responder agora: O que você espera encontrar quando abre qualquer porta? O que você procura enxergar quando olha o horizonte? O que você fica imaginando quando a chuva vai batendo e molhando sua janela? A noite, o silêncio e as lembranças o que representam pra você? Você já viveu hoje?
Calma, não responda agora, primeiro procure ouvir atentamente.
Um dia, havia uma menina muito triste, assim como você, vivia amedrontada e com muito medo de enfrentar as realidades da vida. Essa menina parecia estranha. Acordava, ficava trancada no quarto e só ia para a escola porque era preciso, não tinha outro jeito, mas mesmo assim fazia tristemente seu percurso. Na volta da escola pouco conversava com os pais; se alimentava no quarto e depois se trancava, passando as tardes entre pensamentos e divagações que somente ela sabia quais eram. Um dia, já bastante preocupada com aquela situação, a mãe não suportou mais e perguntou-lhe porque vivia assim. E de pronto a menina respondeu: “Só me sinto bem trancada no meu quarto e toda vez que abro uma porta para entrar ou para sair é como se fosse encontrar coisas ruins. A única porta que gosto de abrir e entrar é a do meu quarto.”
Outro dia, havia outra menina muito triste como você, mas esta vivia olhando para as distâncias do azul do céu, mirando os horizontes, viajando com o pensamento, indagando e vivenciando situações que somente ela sabia. Sempre que podia, ficava na janela do alto da casa e ali pregava os olhos nas distâncias, nas lonjuras até onde podia enxergar. Sonhava em estar no cume de uma montanha bem alta e de lá ficar fitando as paisagens sem fim. Seu maior desejo era mesmo poder voar sem destino pelos céus, só pelo prazer de estar vendo as coisas que somente lá no alto existem. A mãe dessa menina também vivia preocupada com esse “mundo da lua” que a filha vivia, e perguntou porque ela procurava estar quase o tempo todo olhando pra longe, viajando sem sair do lugar. E a menina imediatamente respondeu: “O que foi que a senhora perguntou? Pergunte de novo porque meu pensamento tava longe.”
Um dia, havia ainda outra menina, assim como você, tristonha e melancólica, que adorava ficar próxima da janela em dias de chuva, olhando fixamente para as gotas que batiam e iam escorrendo. Quando o vidro ficava embaçado, ela ia logo passar a mãozinha com gestos desenhados, e assim iam se formando, a cada vez, um coração, seu nome, uma lua. Quando não chovia, ela pegava o batom e ia para a vidraça da janela desenhar o que gostava. Há tempos que sua mãe vinha percebendo isso, mas um dia entrou no quarto e perguntou: “Minha filha, por que você desenha sempre as mesmas coisas, um coração, seu nome, uma lua”. E ela respondeu: “Não se preocupe, já que se a senhora se preocupa com o que faço na próxima vez vou colocar também o seu nome”.
Contou ainda a história de duas outras meninas, muito parecidas com ela. A primeira vivia justificando qualquer instante da vida para lembrar e falar do que passou, parecendo viver somente de lembranças e recordações. A segunda passava o dia inteiro se perguntando intimamente se as ações que já tinha feito até aquele momento já seriam suficientes para justificar o seu dia. Suas mães também indagaram sobre isso e as respostas ouvidas não foram bem entendidas. Uma respondeu que era preciso lembrar para guardar o que foi bom; a outra disse que procurava construir toda a vida a cada momento.
Assim eram as cinco meninas: uma triste e amedrontada, que só se sentia bem trancada no seu quarto; uma que se realizava quando estava viajando em pensamentos; outra que tinha por amigos os desenhos na vidraça da janela; outra que sentia prazer em estar recordando o que passou; e uma que procurava realizar num só instante aquilo que validasse o seu dia.
Todas são pessoas como você, com seus jeitos e formas de buscar alegria. E você, como você é? E a menina respondeu: “Sou igual às cinco meninas. A gente faz de tudo para que os outros percebam que a gente existe. Só que sou mais triste que todas, pois não tenho mais minha mãe para se preocupar comigo”.
Advogado e poeta
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