EPICO ALMA
Naquela tarde a caneta apenas rascunhou um pedaço da sua alma.
Despejada em uma especie de funil utilizado para encher garrafas de desinfetante caseiro, tal alma escorregava para dentro de um envelope plastico transparente.
Era uma tarde de chocolate quente e biscoitos cobertos com geleia de amora feita a mão pela sua vó. Ele nunca a conhecera de verdade, a não ser pelas historias sobrepostas a mesa quando jantava junto a seus velhos talheres de fotografia.
A caneta deslizava pelas paredes da sua sala e nada a calava, nem se podia ouvi-la. Sua alma era despejada naquele envelope plastico sem compaixão. Não haveria dor senão fosse o fato de esperar o pedaço daquela alma novamente nascer para confina-la no envelope.
Era um novo pedaço, prestações de pedaços de alma trancafiadas num purgatorio sem juiz.
Os envelopes partiam em dezenas, sem destino, sem patria ou outra alma para acalentar as poucas palavras que ainda sabia reclamar.
Era um ardor incolor, e a caneta apenas rascunhava um pedaço da sua alma.
Continua...