A MORTE DO COMPANHEIRO

Impossível escrever um poema.

Impossível achar que qualquer verso pode ser uma consolação.

O mais recente companheiro morreu

na semana passada. E ele tinha um jeito

que ninguém esquece mais.

É claro que nenhum de nós poderia imaginar

o Nilo enforcado.

É claro que nenhum de nós poderia imaginar

no Nilo, um menino abandonado.

O Nilo era água limpa.

Rua inútil. Coração na sombra

--mas palpitante.

Ele dói em mim

como Itabira doeu em Drummond.

É correto pensar que as grandes guerras já terminaram.

Mas não será pertinente saber que as batalhas

ainda continuam dentro do corpo das pessoas?

Que as crianças ainda ignoram medalhas,

condecorações, exércitos e outros poderes?

E por que o Nilo nos cravou esse gesto

--que é o avesso do ensinado e aprendido--

teremos de camuflar abismos e disfarçar o grito

que a plenos pulmões proferiu Maiakovsky?

É claro que a poesia é incomunicável.

Mas diante do companheiro morto não há soluções.

Não há bálsamos. Não existem esplêndidos negócios,

glórias voláteis, nem os porões da família.

É claro que existe o pranto.

No cinema.

No teatro.

Nas poltronas.

E até no coração ondulante.

Mas diante de você, companheiro,

eu quero guardar os uivos do lobo

e a minha infinita solidão.