O homem que não valia mais nada
Hoje estou de luto por minha vaidade que jaz junto a minha média idade, timidez que me toma pelas mãos e me faz acovardado de aceitar a bruta e evidente realidade, estou aqui pós trinta e poucos anos, caminhando em direção ao que não sei se será, mas sei que será, tenho na caixa torácica uma musica doce como em uma caixinha de musica, onde meus desejos ainda dançam rodopiando como as bailarinas presas ao imã que as escraviza girando em torno de si mesmas ao mesmo som, prisioneiras de seu reflexo e vaidade, não, não vou girar meus desejos em torno de si, nem meus pensamentos, vou em frente mudar o que for necessário e preciso. Sou o lobo de minha própria existência, admito, cafajeste, puto, canalha e egocêntrico, haveria de admitir isso certa hora, fiz do resto só o resto e não reciclei meus passos apressados em direção a minha própria imagem e semelhança, fui eu, o lobo de mim mesmo, dilacerei minha carne com dentes afiados e meus sonhos com pensamentos negros, segui a espreita do próximo momento, vivi, vivi, vivi e vivi. Não sucumbi, não cansei, não desisti, não parei, contra minha própria vontade ou qualquer estatística, passei dos trinta, trouxe a dor de tudo o que é profano, afinal, compreendi a mim mesmo e logo ao homem, mas foi o preço de saber, o que ainda não direi, mas soube e isso sim valeu o preço tão caro de ser assim. Dinheiro sujo, posses e luxo, amores secos e flores sem perfume, sexo do sexo, para o gozo de possuir, nem do corpo se valia mais, apenas o fútil e mórbido momento, de estar presenciando o fato da imaginação doentia de cada ser, suspeito, vacilante, podre, prazer, sou um homem que pensa e que rompeu a fronteira do pudor e do bom senso, foi além do passo, dos lábios e da alma, atravessou os sentidos em busca de sentir algo maior, que justificasse o estratagema divino deste existir. Tenho contos e historias, sei o que digo, onde dizer, aprendi a encantar serpentes e delas beber como vinho seu veneno, o amargo passou a ser saboreado, sem mais paladar para o leve e agradável toque do suave, a droga da vida em pleno saber havia então possuído meu coração duro, mais e mais e ainda sim não era suficiente para mim, em cada dia, noite, sensação , sexo, corpo, toque, vitoria ou derrota, restava apenas o dia seguinte, sem memória ou mérito, sem rubor e claro, sem face para tal. Meus olhos não eram mais profundos, eram vales secos e infinitos, como dois buracos negros, sugando o brilho e a vida a seu redor, tentando alimentas um coração morto, que a alma ainda se apegava tentando em seus suspiros e devaneios, trazê-lo a vida. Sei que pode parecer drama, ou demasiada poética da dor, mas deixo somente o valor de ser o lobo de si mesmo, após consumir toda a carne e matar meu próprio coração, rendi minha alma a deriva e sorte da existência, que travou ironia em mim deixando-me existir para relatar tal façanha, tudo o que compreendi outrora já não fazia sentido até entender algo, tudo isso, aos trinta e poucos, me conduziram a crer só uma razão e sentido para esta minha historia: O fundo do corpo e da alma, a base dos sonhos e do querer, o desejo e o tesão conectados ao conhecimento de causa, do saber do se quer dentro de uma especificação tão perfeita que nada foge mais ao acaso, sim, simples, a ressurreição do coração que morre, a restauração da alma que não brilha, o sentido do reflexo e das palavras, a reflexão do homem que já não valia mais nada, tudo isso, dentro de um só sentimento, e então, os olhos meus profundos e negros, com tal justificativa ao menos para mim plausível e de fato merecedora de minha própria compreensão e perdão, hoje carregam a dor do saber e mil historias de mil homens, tantas almas e vidas, tantas mãos estendidas e sonhos roubados, para jogar-me ao chão que me tolera diariamente, do pó vim, ao pó ainda não voltarei, como disse em outro texto meu, o poeta não é o guerreiro, ele em si é a guerra, existi para uma só coisa, clarividente mente e cheio de certeza, convicto por acertos e muitos erros, mais que ontem e que alguns minutos atrás, de fato, me tornei um muro solido e forte, guardador de mim mesmo, mas que sentido haveria tal fortaleza ser construída para se auto demolir, engano meu, os olhos vazios pelo conhecimento foram propósito da existência, este homem, não haveria de amar sem dois olhos que os completasse, não plenamente, e se me perguntarem por ai qual a simples resposta de uma existência atribulada e tão complexa, vou responder sem titubear que existi tão intensamente, para um dia então, amar e ser amado da mesma forma. Em suma, reconheço então que para se valer tanto, é preciso não valer mais nada.