FICA EM PAZ

Ao recolher-me, ainda forte o vazio,

Herança da ausência tua!...

Deitado, as memórias não me permitem um repouso.

E como dói essa presença que tais memórias me trazem!...Esse vazio tão cheio de saudades!...

E nos teus lugares preferidos, e em cada canto da casa, sinto-te ainda tão presente!...

Vejo passares de um cômodo ao outro nos teus afazeres diários e rotineiros,

E o cansaço que nos últimos dias, te afligia o corpo enfermo.

Vejo no rosto estampada a tua tristeza e no olhar as tuas alegrias que são os teus amores, os teus rebentos.

O Olhar teu, desvendando os segredos dos olhares nossos, decifrando-nos os sentimentos.

Das mãos tuas, o calor intenso do amor que nos aquece o coração.

Sobre as nossas cabeças, as mesmas mãos nos ungem de bênçãos,

E com orações protege-nos o teu amor, movendo o céu, o dedo de Deus ao nosso favor.

Longe, em nossa infância, vão buscar-te mais lembranças trazendo-te pelas mãos.

Novamente aos nossos ouvidos a doce voz do passado que embala o sono,

Ao mesmo tempo em que corrige os nossos erros com severas advertências.

Sinto no rosto, os peitos que naqueles dias mataram a minha fome,

Teu cheiro me faz descansar seguro.

Memórias!...

Levam-me de um lado para o outro e em segundos, tantas lembranças!

De tantos sorrisos, de muitas lágrimas, de esperanças e de força, muita força...

Quanta força em tão frágil ser!...Quanto ser em tão frágil corpo!...

O corpo... Cárcere, sofrido, doido!...Cansado de viver!...

Exausta, minha alma não descansa, e novamente vêem as lembranças.

Tão tristes... doídas...recentes! Novamente me põem diante da pedra fria.

Pedra... Aonde o teu cárcere envolto em mortalha, me fez chorar.

No desatar das amarras, descobria o corpo nú, ao qual novamente cobri com teus melhores vestidos.

Debrucei-me sobre o peito, ainda quente, do corpo pálido e inerte.

O coração em silêncio não fazia mais fluir em tuas veias a minha vida rubra.

Enquanto te olhavam os olhos meus, meu coração perguntava por ti:

Onde estavas minha vida? Para onde foras minha querida?

Onde estava o consolo de tua presença vívida?

Confuso, incrédulo da ausência tua, desesperava-me a saudade.

Saudade!... Salgada, molhada, brotada da lamina dos olhos, dói no peito, rasga a alma!

Quanta saudade se pode sentir, sem sufocar, sem morrer?

Quando enfim, com voz embargada e tremulante pronunciei a palavra adeus, ouvi em meu íntimo tua voz de criança dizendo-me:

“Não sofras...Fica feliz! Estou transpondo os portões da cidade dourada! Minha cidade amada...Meu lar! Vejo todos. Os que amo, me aguardam. Entre eles, o mais Amado! Nos braços Dele, do meu Senhor, de toda luta e dor, de toda lágrima, enfim... Descansar! Sei que sofres, pois também já senti essa dor, mas creia em mim...Tudo passa! O tempo é como a água que escorre entre os dedos e logo se vai. Há de chegar o dia em que estarás transpondo os mesmos portões e eu...Eu também estarei lá aguardando para te abraçar e tu estarás feliz assim como estou agora. Então, viva o tempo que tens da melhor maneira. Viva com intensidade cada segundo, cada momento até que chegue o nosso dia de estarmos juntos outra vez. Fica feliz! Fica em paz!”

E nesse consolo que não consola, novamente me vi chorando num misto de dor e de raiva...Tanta raiva!

E tanto amor! O amor que vinha do fundo das entranhas e que socava as vísceras até explodir na garganta um canto.

Melodias vibravam as cordas vocais e jorraram como um rio não represado, posto que os olhos secaram como a terra sem chuva.

Meu lamento era sonoro. E sonora foi toda aquela noite!

Enquanto outros velavam seus mortos, as notas sofridas fluíram alto... Muito alto na madrugada!

Meu corpo tremia levitando o meu lamento! Elevei as alturas minha dor em cânticos de amor e de saudades.

E nesse instante viajei pelo tempo. No passado distante e no recente.

E lembrei de tudo o que foi e não seria mais.

Pensei nos cantos vazios da casa. Nos olhares que estariam ausentes.

Nos sons dos sorrisos. Nas brincadeiras. Nos beijos molhados em minha face.

E na voz que sempre ouvia abençoar minhas partidas: “Deus te abençoe e te traga em paz”

Enquanto contemplava teu rosto em profundo sono, ouvi em meu espírito novamente ecoar as palavras:

“Fica em paz!”... “Fica em paz!” “Paz!...”

Estas últimas, porem marcantes lembranças, gostaria de esquecer e guardar apenas aquelas que sempre me farão sorrir, mais a vida não é toda feita de momentos felizes apenas, nem de presenças perpetuas, mais com certeza, alegres ou tristes, sempre presentes estarão as lembranças, e nelas mamãe querida, comigo sempre estarás, por onde quer que eu vá. “Te amo”

Em memória de minha mãe Maria de Lourdes Lemos Falcão.

De LuizFalcão. Rio 19/11/1998.

Luiz Falcão
Enviado por Luiz Falcão em 09/08/2009
Reeditado em 13/11/2013
Código do texto: T1744608
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