Xanana
Ali está ela, varando as pedras, se esgueirando nas frestas, enfrentando a aridez da areia escaldante. Se harmonizando com outras plantas companheiras de destino. Ela expõe, sem receios, a delicadeza das flores, a leveza das folhas, a flexibilidade do caule. Abre-se ao esplendor da manhã em reverência ao sol e aguarda com delícia e encanto a penetração do polinizador em seu corpo de flor.
Mais tarde se fecha. Resguarda-se tímida, escondendo em recato sua beleza. Então, se para muitos era simples flor de mato, agora vira mato apenas. Fica exposta ao pisoteio, à lâmina da enxada, ao estrangulamento de mãos decididas a extraí-la do aconchego da terra. Ela é arrancada do solo. Seu trabalho de colorir, feito na terra, sucumbe.
O chão fica outra vez árido. A pedra é mera pedra, a areia amarga seu vazio. Alguns sorriem satisfeitos diante daquela solidão que ocupa o chão. Outros lamentam a falta vida. Poucos entendem que ela continua lá. Que seu vestido de folhas enfeitado de flores não é ela. É apenas sua exposição de pintura na tela da terra. Silenciosamente, incansavelmente, agasalhada nas profundezas ela volta a tecer a vida.
Suas raízes viajam fundo, sorvendo força na escuridão pulsante do solo. E nelas vibra a primeira gema verde a despertar. Gema. Jóia vital. Bio-jóia. Pequena esfera de verde que se expande e desenha em si o que brevemente serão folhas. Logo elas se atreverão a olhar para além do chão e beberão luz. E ao amanhecer do outro dia uma pequena ilha de verde vai decorar a areia, a fresta da pedra, a fissura da parede ou, quem sabe, fazer composições com o acre da argila.
Mais um pouco e a ela outras já se unem e crescem e se expandem em si até se tocarem em festa. E mais uma vez já se pintam de flores. E se suas folhas fossem mãos, estariam todas de mãos dadas formando, em ciranda, um tapete de verde adornado de flores. E ficam assim, felizes tão somente por enfeitar o caminho da menina que tem olhos para flores e entende de amor.