Casamento

O casal se olha e isso não é mais novidade. Se abraçam e se beijam pensando nas contas para pagar. As mãos se tocam, se enroscam, num gesto previsível. Os corpos nús, os de sempre, em cima da mesma cama, são parte de um quadro velho. As paredes do quarto, os móveis ao redor, o tapete ao chão são testemunhas mudas, desgastadas pelo tempo, cansadas de olhar.

As frases são repetidas, os sussurros, os gemidos são ecos dos anos que vivem juntos. São os mesmos personagens de um relacionamento que começou com vigor... e onde está aquele vigor? Foi o tempo que sufocou o tesão? Foram os filhos que mudaram os desejos? Mal se lembram que havia paixão!

O telefone toca, o filho chora no quarto ao lado... “Onde foi que paramos?”, diz ela. “Talvez possamos deixar pra amanhã?” diz ele. Eles acordam muito cedo, não tem tempo para rodeios. Tem o sono, o cansaço e aquela dor de cabeça, a dor de barriga, a dor...

Eles estão infelizes e sabem disso, mas não sabem como mudar. Se suportam, engolem a seco a comida fria, esquecida. Em seus pijamas velhos e surrados, viram-se para cada lado... “Amanhã você tem dentista, não esqueça!”, diz ela. “Boa noite, querida”, diz ele. E adormecem, caindo, lentamente num mundo de sonhos, onde tudo eh bonito e florido.