UMA OLHADA EM MIM
Dei uma olhada em mim e me senti um trapo.
Quantos anos lutando pra sobreviver e
escrevi poemas de amor de inconsequência total.
Quantas fomes evitei de passar e quantas
bocas entreabertas ... eu não vi mastigar.
Enquanto me deleitava falando de beijos e amores,
o mundo, que era pequeno, não tinha nem força
pra sugar leite do peito.
Na verdade, não tinha mundo e não tinha peito.
Eles tinham sido emprestados pros poetas modernos.
Que escreviam a perda de amores e paixões sufocantes.
Que não sabiam escrever mais nada que não fosse amor.
Quantos anos enxergando tudo e não vendo nada.
Quantos Recantos perdidos nesse mundão das letras!
Quantos poetas famintos em ser
e quantos leitores comparsas!
Uma olhada em mim, e um BASTA enorme,
de um milhão de decibéis. Mas...
Não adianta gritar. Os poetas continuam surdos
e só conhecem o som macho-fêmea.
Alguns, como eu, acordaram e de tão magros,
nessa realidade de fomes,
nunca mais cairam em si, sempre fora.