E O JUDA CORREU!...-Matéria do Cantinho do Zé Povo-O Jornal de Hoje-Natal-RN-Edição de 11.Abr.2009
A Semana Santa, no Nordeste de antigamente, era um acontecimento prá lá de especial. Hoje não; várias e diversas tradições, ou foram quebradas ou caíram nos abismos infindáveis do esquecimento. Em mil novecentos e vôtes, a Semana Santa no interior era muito diferente da Semana Santa na cidade grande. Tanto na religiosidade quanto na parte profana; se não, vejamos. Antigamente, na Quarta Feira de Trevas, quase ninguém tomava banho, pois segundo a crendice popular, “quem tumasse bãe na Quarta Fêra de Treva, intrevava”... Na Quinta Fêra Maió e na Sexta Fêra da Paixão, quase ninguém “arriava” nem as vacas para fazer a ordenha; com medo da sair sangue, em vez de leite... Não se varria a casa, não se penteava o cabelo nem se olhava no espelho para não cultuar a vaidade... Bater num filho, mesmo quando “o troço” aprontava, era um terrível sacrilégio... Se guardava o maior e mais solene respeito aos dias santificados e às tradições religiosas. Ingerir álcool; nem pensar! Na parte profana, “era de leis” roubar galinhas para serem abatidas depois da meia noite da sexta feira para o Sábado de Aleluia; malhar o Judas à meia noite em ponto, da sexta feira para o sábado; e “serrar velho” na madrugada, já embriagados de vinho e/ou cachaça, bebidos com tira gôsto das galinhas roubadas. “Serrar velho era fazer zoada na porta do véio ô da véia mais ignorante e brabo (a) da comunidade”, rapando uma quenga de côco no chão, batendo numa lata e gritando com voz lamentosa... De preferência, fazendo alusão à proximidade da morte de quem estivesse sendo “serrado (a)”, só para ouvir “um ruzáro de disafôro”... O causo de hoje é real e aconteceu no município de SUMÉ-PB. Me foi contado pelo personagem principal da munganga, Mário Véio, ex-vaqueiro de meu saudoso pai. Mário está vivo, mora em Boa Vista-PB; e na época desse causo, ainda rapazinho, era conhecido em Sumé e arredores, por Mário Borbolêta. Onde trabalhava, confeccionaram um Judas e colocaram amarrado no alto da copa de um “imbuzêro”, em frente à casa da fazenda. Era costume, antes da malhação, se atirar no Judas com “espingarda suvaquêra ou de sóca”, tentando derrubá-lo o com o impacto do chumbo ao mesmo dirigido... Por arte da “marvada”, Mário e seus “cupinchas”, tramaram roubar o dito cujo, para colocar na porta da casa do “véi Mané de França”, em Sumé, que era puto com eles, por carregarem seu filho Nezíin para beber cachaça. Com Nezíin a tiracolo, tomaram todas, armaram o “presépe” e onze e meia da noite, simularam uma briga no “terreiro”da fazenda. Foi um Deus nos acuda! Todos que aguardavam a malhação do Judas, correram para “apartar a briga” e enquanto faziam vezes da “turma do deixa disso”, Mário Borbolêta subiu no “imbuzêro”, tirou o chapéu do Judas e colocou em sua própria cabeça. Desceu o mesmo por uma corda e os “cabra” que já esperavam embaixo, correram com o bicho prá dentro do mato... E Mário ficou lá em cima, com os braços abertos, segurando nas galhas do “imbuzêro”, no lugar do Judas... Passada a confusão da “briga”, quem olhava para o “imbuzêro” via o Judas lá, intacto, mas era Mário Borbolêta quem estava no alto da árvore. Meia noite, o dono da casa, já “azinhabrado”, gritou a plenos pulmões:
- Tá na hora! Ô minino; traiz aí o “cravinote” qui eu carreguei cum chumbo, cáco de vrido e prego inferrujado. Eu quero vê quantos tiro êsse Juda agüenta, antes de cair no chão e nóis findá a farra rasgando êle de “pexêra”...
Meu fíi; foi o bastante prá Mário Borbolêta “disapregá” de lá de cima, bater no chão e correr em procura da mata, “cum tôda mulexta duis cachorro”... O fazendeiro, estupefacto e com os olhos saltando das órbitas, gritou de imediato:
- Ôxente!? O Juda pulô lá de riba!...
Ais véia carola, à beira do “isterirmo”, completaram:
- E correu!... Só pode sê castigo, mode a cachaça qui o sinhô tumô in prena Sexta Fêra Santa... Tá vendo no qui dá ? Agora agüente!
E a confusão só foi acalmada na manhã do Sábado de Aleluia, quando o Vigário da Paróquia de Sumé, veio “benzê o terrêro” e confessar o fazendeiro, trêmulo de medo, de ressaca; e arrependido da cachaça ingerida na Sexta Feira da Paixão...