O TANGERINO - Matéria do Cantinho do Zé Povo - O Jornal de Hoje - Natal-RN - Edição de sábado, dia 21 mar 2009

Para quem não sabe, TANGERINO é o mesmo que TANGEDOR, aquele indivíduo que tangia as boiadas na época em que existiam apenas e tão somente estradas carrossáveis. Tangiam enormes boiadas a enormes distâncias, “incruzando” norte a sul, leste a oeste, esse nosso Brazilzão véio e sofrido. Conheci e convivi com alguns deles; mas quem é mestre; ou melhor, era mestre para falar de cátedra desses ditos, cujos, referidos era meu querido e saudoso escritor José Cavalcante, seu Zé; que tal qual eu tenho admiração, respeito e um profundo bem querer pelo meu “cumpade Júlio Prêto” ( que deverá subir comigo ao palco, num show de cultura popular que estou pensando em realizar com a comediante Myriam Gurgel Maia... Vai dá cachorro in 70 e laigatixa in 19...), ele, Seu Zé, tinha pelo negro Vicente do Peba, seu vizinho de propriedade; um autêntico chefe de clã. Segundo Seu Zé me contou, o negro Vicente, como ele carinhosamente chamava essa preciosidade da qual estou falando, aos cento e cinco anos de idade, cego, mas em plena lucidez, fazia-se ainda respeitado e ouvido por todos os seus filhos, netos, bisnetos e tataranetos, que somados, iam além de trezentos, morando todos na mesma propriedade, que lhe custara o aluguel de dezenas de anos de profissão, dados aos fazendeiros e boiadeiros daquela região. Dizia Seu Zé, já tê-lo conhecido cego, dormindo há mais de quarenta anos num banco rústico, tendo como travesseiro, uma pedra do “tabulêro”. De tanto uso, tornou-se côncava, alisou no centro e tomou a forma da cabeça. Quando seu Zé me contou isso, em 1975, ambos ainda existiam; o banco e a pedra; não sei se seus descendentes preservam ainda hoje, esse incomensurável tesouro. Não fumava nem bebia, porém, mascava fumo do bruto, de rolo, feito lá mesmo no sertão. Faleceu aos cento e onze anos, com todos os dentes são e perfeitos. Segundo ainda afirmação de Seu Zé, Vicente chupava cana sem faca, descascando com os dentes. Em mil novecentos e trinta, dois dos vizinhos do Vicente, tentaram tomar-lhe um pedaço de sua propriedade. Ôxe; de jeito e qualidade; o Peba, que lhe custara milhares e milhares de passadas atrás de boiadas, jamais seria dividido, senão com seus legítimos herdeiros. Meteu as escrituras num bisaco de couro, calçou as velhas “zapregata de tangedô”, butô o chapéu na cabeça e tomou o rumo da capital. Iria falar pessoalmente com o Presidente João Pessoa. Em Palácio, esperou uma tarde inteira, de pé, na porta da sala de audiência, até que o Presidente, depois de atender ao último dos presentes, já de saída, nervoso e cansado, dirigiu-se a ele:

- O que é que o senhor deseja ?

- Prestar uma queixa.

- Então, diga com cinco palavras, que estou vexado!

De olho duro, sem bater as pestanas, cumpriu a ordem num repente perfeito, em razão do qual teve sua reivindicação prontamente atendida:

- BRANCO TOMOU TERRA DE NEGRO!...

Bob Motta
Enviado por Bob Motta em 21/03/2009
Código do texto: T1498075
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