O CALVÁRIO DE UM TÍMIDO
Não sou visto como ser humano, mas como tímido, como se fosse uma criatura de outro planeta. Como pessoa, ninguém percebe a minha existência, mas fazem questão de enfatizar a minha timidez exorbitante. Sou menor que uma formiga e minha timidez é do tamanho de um elefante.
Como dói ser identificado justamente pelo problema que se quer esquecer ou superar! Muitos nem sabem que eu tenho nome. Sou só “quietinha” e as pessoas repetem isso como papagaios caducos.
Minha notável invisibilidade é comentada quando falta assunto, pra todo mundo zombar junto.
Eu parecia ter chegado ao mundo com o pé esquerdo. Fui como Drummond, que nasceu para ser gauche na vida.
Eu não era aleijada, nem surda ou muda, não tinha síndrome de Down. Mas era anormal e sentia como se me faltasse um braço ou uma perna, talvez um pedaço da alma. Eu que não fui feliz nem livre, sempre tive mais alma do que corpo.
Ser tímido não é uma opção como alguns pensam. É um infortúnio, uma doença, uma cruz pesada.
Fui diferente dos meus irmãos; ultra rápidos, falantes, sorridentes, populares. E sempre estive em desvantagem nas constantes comparações que os outros faziam.
Eu era um enigma, uma incógnita, um projeto que deu errado, um tiro que saiu pela culatra.
A timidez foi algo que eu tive na pele como marca de ferro em brasa. Senti terrivelmente na carne, doeu nas minhas artérias e veias e em cada gota do meu sangue.
Tive a pior das infâncias. As outras crianças me amedrontavam, pareciam monstros, feras ensandecidas, demônios desvairados, prontos para me atacar. Já me senti como Daniel na cova dos leões, como um animal chicoteado na arena, onde o nosso sofrimento é diversão para os outros.
Quantas vezes somos humilhados publicamente, mortos nas praças, queimados nas fogueiras?
O sinal para o recreio me aterrorizava, eu parecia estar indo para um campo de concentração ou para uma câmara de tortura. Zombarias e ofensas me deixaram hematomas na alma, feridas que nunca cicatrizaram. Aprendi cedo a solidão e a encarar as pessoas como adversários. Fiz amizade com os bichos e as plantas.
Somos os últimos, os restos, a escória do mundo. E jogados para os escanteios nunca marcamos um gol, se marcarmos ninguém acredita, logo dizem que foi o extrovertido que marcou. É revoltante ter nossas ideias atribuídas a outra pessoa por não acreditarem na nossa capacidade. Temos que nadar contra a correnteza para provar que temos valor.
Se nos controlarmos e agirmos com educação e bom senso pensam que somos “muito calmos” e aí então nos provocam e abusam da nossa suposta “paciência infinita".
E o que dizer da “santidade” que esperam de nós, como se nunca falhássemos, não namorássemos, não nos irássemos nem pudéssemos ter enfim, vida normal? O pecado, sempre relativo, é privilégio do extrovertido, que pode fazer o diabo, tudo é considerado normal, e ainda recebe elogios. Se um tímido faz metade, todo mundo se apavora. Os meus erros são mais graves, os meus crimes são mais hediondos.
Minhas paixões são loucura, minhas dores são profundas, minhas feridas não têm cura.
Ninguém percebeu quantas vezes saí chorando pra casa.Ninguém sabe o quanto amei sem sei amada, como gritei sem ser ouvida.
Aprendemos a ser egoístas, mas no fundo nos importamos com os outros. Se não nos importássemos com as outras pessoas, não nos irritaríamos tanto com as impressões erradas acerca de nós e com sua inocência cega que os impede de nos ver como realmente somos.
Somos perfeitamente imperfeitos apesar da falta de conhecimento das pessoas ao nosso respeito.
Enfrentamos preconceito. O preconceito contra os tímidos não é como o preconceito enfrentado pelos negros, os homossexuais, os cristãos verdadeiros e outras pessoas ‘diferentes’ na sociedade. Não é aberto ou declarado, é um preconceito dissimulado que só quem é vítima sente. E o pensamento de uma massa nos massacra.
As pessoas acreditam tanto que ‘não gostamos’ de falar que dificilmente nos permitem falar quando precisamos. Descobri que simplesmente, os meus gostos e interesses são diferentes da maioria. Sinto falta de conversar, mas odeio futilidades e se pudesse ensinaria às pessoas o amor à literatura, o gosto pela cultura, pela arte, pela boa música e pela poesia.
Vivemos no banco dos réus, não herdamos o reino dos céus. Não ganhamos medalhas nem troféus.
Não somos amados ou admirados, temos no máximo a compaixão de alguns. Não possuímos legiões de amigos. Não seremos idolatrados, aplaudidos nem ovacionados por multidões.
É frustrante ser sempre ignorado, apagado, viver sem ser reconhecido.
O que mais necessitamos é o que menos temos: oportunidades.
Jamais alguém nos passará a palavra ou nos dará um papel importante. No teatro da vida não passamos de figurantes.
Temos mais derrotas que vitórias, mas vencer a timidez foi a minha maior conquista.
Ainda tenho muito que lutar, mas cansei de ser espectadora da vida e me tornei protagonista da minha própria história.