TEMA
Fátima Irene Pinto
Como fazer poema quando não se tem o tema?
Quando já falamos exaustivamente da nossa dor e saudade?
Quando já esmiuçamos todas as possibilidades de que - por um milagre ou divina providência - elas deixem de ser impossibilidades,
revertando a nosso favor uma dolorosa realidade,
uma insustentável pendência?
Como fazer poema, diante da clara e inequívoca constatação da imprudência de nosso coração que faz escolhas insanas,
sem estar nem aí com os apelos da razão
que clama por manifestar-se em tempo hábil,
antes que tudo desemboque no nada
ou precocemente na cama?
Porque sempre botamos a razão em segundo plano?
Se a ouvíssemos sofreríamos menos, com certeza.
Mas seríamos amargos, insípidos e por fundo de nossas vidas teríamos apenas um cinzento pano.
Um pano pardacento, isento de qualquer beleza,
que só é bela porque conhece os matizes e os matizes
nunca são cinzentos.
Os matizes sempre são intensos na luz ou na escuridão.
Nada têm a ver com a pardacenta razão.
Mas a beleza e a arte são domínios do coração,
assim como o amor, o ódio, a paixão, o sonho, a mágoa,
a solidão, a insurreição...
E mesmo este rascunho nascido da razão que questiona, filtra e seleciona,
se não tivesse por fundo um coração machucado,
até este escrito mal alinhado morreria na mente como um breve clarão:
intenso, porém logo esquecido e apagado.
Agora já achei o tema... mas que importa agora o tema,
se divagando, sem querer eu já pari o meu recado?
Por sinal, um recado banalizado, muito conhecido dos amigos da pena (e das penas), que despejam em prosa e verso suas dores e dilemas,
nascidos de um coração lacerado por um amor sufocado.
REFLEXÃO SOBRE O TEXTO ACIMA
Fernando Barnabé
Habituara-se àquela casa de paredes grossas onde o sol raramente entrava.
Sentia-se enclausurada e sem esperança a bela Vênus, desde que compreendera o significado da palavra amor.
Ela buscava um príncipe encantado, alguém que lhe beijasse a fronte e a libertasse do peso que o seu peito carregava, mas eles vinham e partiam, deixando-lhe feridas no corpo e na alma, matando-lhe a esperança num amor eterno.
O sofrimento que estoicamente suportava foi-se transformando num dom - ela compreendia a dor do mundo e sabia ler todos os corações, mesmo os mais indecifráveis.
Parecia fácil a forma como os afagava, através das suas poções mágicas de palavras feitas.
Era sábia aquela Vênus. Qualquer outra que tivesse experimentado as mais sublimes sensações e prazeres do corpo não a igualava em erudição e sapiência.
Ela viverá em clausura sim, mas será o veículo libertador de todos aqueles que a procuram através da luz que a força do seu grito transporta, e um dia, tenho a certeza, habitará num novo lugar, numa nova casa.