O VÉIO ARCELINO...

É isso aí, minha gente; hoje o Cantinho do Zé Povo vem tangido pela saudade! Saudade desse homem simples do mato e que foi um dos que me colocou no braço, no alvorecer de minha vida, quando eu era feliz, sabia mas não me dava conta disso... Era um “melé” um faz tudo na Fazenda Malhada de Roça, onde me criei. Era um dos remanescentes do bando do famoso cangaceiro Antônio Silvino, onde era exímio “rastreador”. Mas, lá mesmo, no bando, era chamado de “coringa”, pois fazia de tudo. Pois bem, amigos (as); eu tive a felicidade de conviver com esse “poço de sabedoria popular”. Lá na fazenda, era tangedor, peão, vaqueiro, fazedor de cerca, marchante e até cozinheiro. E o melhor de tudo, gostava de uma fuleragem como ninguém. Faz muuuuiiito tempo, eu tinha ao redor de cinco anos de idade. Me chamava de “Pixilinga”, pelo fato de eu ser na época, um “graveto de gente”, pequeno e bem magro. Não conto as vezes que êle se atrasava para ir p’ro campo, para sua lida, por estar na frente da casa grande, andando comigo na “lua” da sela de seu cavalo, a fim de fazer os gostos desse amigo de vocês. Papai conversava muito com êle, trocando idéias no alpendre, depois da janta, onde quando o sono deixava, eu me deleitava escutando e me lembro de alguns traços dessas maravilhosas prosas por mim presenciadas. Lembro bem que um certo dia, o Véio estava tirando um couro de um carneiro , debaixo do velho juazeiro por trás da casa grande, quando papai chegou e se pôs a conversar com o véio, e observando a “tirada do couro”, provocou:

- Êita, Véio Caiçara; agora eu já sei quem danado é que tá comendo minhas criação!

E o véio respondeu rindo:

- O sinhô sabe qui num é eu não; mais num s’avexe não, qui “vaquêro de criação é qui nem quebradô de castanha; num cunheço um que num coma um bucado quando tá quebrando”...

Curava “bicheira” no rastro do animal doente; e dava certo... Se divertia amansando pordo e burro brabo. Quanto mais brabo o animal, mais se dedicava à sua doma. Entrava no mato fechado, como quem estava mergulhando nas águas de um açude cheio. Nas “apartações” era dos mais dispostos. Para mim, era uma verdadeira dádiva divina, ouvir qualquer estória contada por êle. Mas no rastrear, era no que mais se destacava. Com cachorro ou sem cachorro, jamais deixava a rês escapar e sempre trazia calmamente para o curral. Certa feita eu inventei de pedir a êle que me levasse quando fosse “dar um campo”. E no meio de uma “varêda”, ao redor de duas, três horas da tarde, demos com uma pequena mancha de sangue no caminho, ao que o véio observou:

- Num sei se tá cum bichêra, mais tá sangrando; e tem mais; é macho.

E eu, na minha inocência, lhe perguntei:

- Ô véio; como é que o senhor, vendo só o rastro, sabe se a rês é macho ou fême ?

- Ôxente, meu fíi; ói aqui; arrepare nêsse rastro. Só o macho pisa adonde mijá; a fême num faiz isso, mode qui mijá prá tráis!...

Perdoem-me queridos leitores (as); hoje não teve fuleragem; teve um soluço entrecortado dentro do meu peito, espremido pela recordação e pela saudade dessa pessoa que foi tão importante na minha vida; a qual resolvi homenagear, contando prá vocês quem era e como era O VÉIO ARCELINO...

Bob Motta
Enviado por Bob Motta em 11/10/2008
Código do texto: T1223334
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