Velho casarão da quinta
O casarão colonial fica numa pequena elevação,
De frente para um vale orlado por montanhas azuladas.
A quinta estende-se até a margem de um rio
Que corre mansamente em direção ao Oeste.
Juncais enfileiram-se majestosos às margens,
Outras vezes cedem lugar às árvores seculares de troncos rugosos
Que se debruçam sobre o rio numa reverência respeitosa;
Pequenas embarcações balançam levemente ao sabor da brisa
Quase marinha que sopra numa carícia maternal.
Estou sentado na grande janela que se abre para o imenso vale:
Olho para tudo isso com uma indiferença desdenhosa;
Meus sentidos viajam por outras paisagens e
Trazem-me à lembrança a contemplação de quem fui.
Caminho às margens de um rio de águas escuras
Que corre silencioso por entre árvores de esquecimento.
Outono . . .
Uma brisa sopra leve e arrasta para o leito do rio
As folhas-mortas que bóiam mergulhadas em alheamento;
Minha alma veste-se de uma confusão quieta . . .
Ao longe, os sinos anunciam o avanço dolente do entardecer
Que devora as horas envoltas em cinzas de tédio.
Meus devaneios tolos cavalgam, espectros de sonhos,
Na bruma que se ergue sobranceira em meu horizonte interior.
Quando julguei ter encontrado o amor, enganei-me:
Senti apenas seu aroma e conheci somente a periferia de sua grandeza;
Senti como se tivesse chegado a uma grande metrópole e
Tenha conhecido, equivocadamente, somente
Seus subúrbios fétidos e feiosos.
O canto dos pássaros desperta-me para a realidade da quinta . . .
Outrora, o menino que fui brincara por estes campos verdejantes,
Possuído de alegria contagiante . . .
Minha infância perdida! . . .
Vejo o menino que fui totalmente alheio a quem sou:
Sou como naus embandeiradas que sucumbiram
Na aventura de se lançar ao desconhecido . . .
A concretização de conquistar o mundo
Caducou no baú empoeirado,
Esquecido num canto qualquer do sótão da velha quinta . . .
Desviei-me da rota, perdi a bússola com a qual me orientaria;
Minha embarcação adernou . . .
Perdi-me de mim . . .
Sou órfão e tenho a vida por madrasta.
Quantas vezes senti-me um imperador,
Adornado com vestimentas bordadas com fios de ouro,
Sentado no trono de meu abandono! . . .
Quantas vezes julguei conquistar e subjugar
Outros impérios ao meu despotismo impiedoso e cruel! . . .
Tudo mentira: meu império de trapeira ruiu
Como castelos de areia diante da fúria do mar
Que avança sobre as praias orladas de palmeiras
E casarões mouriscos . . .
Anoitece . . . Fecho a janela . . . Cerro as cortinas . . .
Acendo a lareira . . . Ponho um disco para tocar . . .
A música inunda o ambiente de nostalgia . . .
Sinto-me envelhecido: meus ídolos estão passando
Para a galeria da parede da memória . . .
Um absinto talvez aqueça-me a alma
Ou cause-me náuseas . . .
Meu Deus! Viver é uma náusea! . . .
Oliveira