Encontrei vivos e mortos
Eu sou o que vivo
O que deixei de viver
As coisas que ando sonhando
E as coisas que nunca vão acontecer
Meus caminhos são originais
Desbravo florestas e desertos
Ando sempre a procura
Nunca acho, e se me aparece
Não é o que seria certo
Eu sou o que já vivi
O que ainda vou viver
As coisas que já escrevi
As coisas que não posso escrever
Os amores que nunca esqueci
Os amores que estão por acontecer
Na minha estrada
Encontrei vivos e mortos
Com todos eu tive vontade de falar
Com alguns eu ate falei
Mas para a maioria apenas pude silenciar
Tive vontade de contar a minha estória
Tive vontade de me encostar
Tive vontade de ficar sob a sombra
Das árvores frondosas que encontrei
Mas sempre continuei
Sentindo minha pele sob sol queimar
Eu sou o que penso
O que deixo de pensar
O que nem sei que há em mim
Mas que se faz presenciar
Sob formas turvas e sonhos
Calafrios e passamentos a me assomar
Eu sou o sonho de e que alguém
Que não teve a oportunidade de realizar
Minhas pernas são meu destino
Estou aonde vai meu pensamento
Pego carona em olhares de velhos e crianças
E viajo muitas vezes pelo vento
Embarcado na sua imaginação,
E sinto mesmo bater no meu peito
Deles, dele, do ser que me leva, o coração...
O que fiz ou deixei de fazer
O que apenas um ser eterno em mim
Poderia dizer
Eis o que sou
E também o que não posso ser
Sou o fogo que queima por dentro
A erupção de vulcão milenar
E as torrentes que muitas vezes vazam
Minando no meu pensamento
Formando rios e lagos silenciosos
Tempestades violentas a se aproximar
Sacudindo açudes e represas antigas
Que muitas vezes rebentam
As e vazam meu globo ocular,
Destroem as barreiras do meu olhar...
As âncoras que adquirir
A cada ato que anuir
A cada ato que cometi
São minhas algemas
O peso que tenho que carregar
E meus cabelos são pedregosos
Meus olhos não têm definição
O que quer que haja em mim
Não pode ser circunscrito
Jamais se poderá tocar,
De impossível descrição
Neste tosco poema
Nem em qualquer outra arte
Nem no que quer que seja
De forma de expressão
Por que eu sou infinito
E a infinidade está em mim
No sangue que circula
Na mente que não quer parar
Nos mundos que crio
E nos universos que chego a destroçar
Nos deuses que nunca falam
Nas condenações que se fazem
Àqueles que não são compreendidos
E se tornam como bandidos
E são até execrados, banidos
Das sociedades falhas
Todas as sociedades são falhas
São falhas desde o ato de se separar...
Meus filhos foram muitos
Ainda são muitos
Mais que o que posso contar
Mais que o mais infinito dos infinitos matemáticos
Ou de qualquer ciência existente
Que possa existir
Ou que nunca existirá
Por onde passei deixei meus sinais
Uma cruz aqui outra acolá
Viver é perder sempre
Perder para outra coisa ganhar
E o que se ganha
Ao lado do que se perde
Impossível é não comparar
O que se ganha jamais se separa
Do que se perde
E os dois são fardos pesados
Que aquele que anda tem que carregar,
As vezes olhando para o perdido
Outras vezes sem saber o que fazer
Com o que veio a ganhar...
Meus filhos estão soterrados
Apodrecidos no subsolo do meu pensar
E não há como fugir disso
De viver
Viver é não viver,
Viver é voar,
Viver é leveza
É não desejar,
Só quem já andou, anda sabe como caminhar
As florestas são sempre virgem
E se não conto minha estória
É porque se apagam
Na medida de meu pisar
Abro as portas com meu facão
Sou violento se quero passar
Mas não adianta eu dizer
Vão por ali vão
Pois a porta se fecha quando acabo de passar,
Deixa de existir, e quem quiser seguir
Sua porta própria vai ter que arrebentar
A floresta que vês não a mesma
Pela qual passei,
É mutante tudo que podes ver,
Olhar ou tocar, e se passei,
Não é mais minha,
É de quem tiver coragem para entrar
É tua, e é única, mesmo que não admita
É a solidão
A solidão que anda sempre,
Não ao teu lado,
Não atrás de ti,
Não na tua frente
Mas onde há gritos que não gostas de ouvir
E a vida que levas
Não é jamais a vida que quisestes para ti
A tua, unicamente tua,
A solidão da qual muitas vezes
Tenta em vão fugir
Está aí muito perto
Dentro de ti
No coração do teu coração
Basta fechar os olhos e esperar,
Terás que tomar uma decisão,
Vás ouvir seu silêncio,
Estranho silencio
Entremeados de gritos
E medos
E vontades esquecidas
Que nunca ninguém ousou descrever
Por que tudo é teu
E todo mundo tem
Eu, eles e você...
Eu sou um enigma que eu mesmo escrevi
Tão perfeito que ninguém pode resolver
Pois sob o enigma a outro e mais outro,
e ainda mais outro, sem fim, decapitado rei
Sou feito de restos
Que pelas estradas encontrei
O olhar profundo de um ancião único que vi
O gesto do suicida que ajudei
A criança que peguei nos braços ao nascer
E que entreguei a mãe já morta,
Para também morrer...
Coisas que jamais vivi,
Foram pesadelos os meus passos
Minhas sandalhas se desfizeram
São partículas espalhadas pelo espaço
No entanto ainda tenho
Sonhos que carrego
Mas eu sei que
Nunca se realizarão
Como os que herdei
De uma senhora de mais de um milhão de anos
E que os juntei aos meus
Lindos quadros nos quais meu olhar perdi
E perdi para sempre
Para toda eternidade me desencontrei
É preciso estar também perdido
Para poder me encontrar
E se não queres encontrar a mim
Não penses que esteja me fazendo mal
Apenas eu poderia fazer mal
No entanto meu pensamento te alcança
E quando dormes feito criança
Fique certo de que posso te visitar
Mas não vou atrapalhar o teu sono
Não vou te assustar
Minha matéria mais que etérea
Vai penetrar nos teus sonhos
E assim, sem que queiras nos vamos encontrar
E poderás ver a mim numa de minhas formas
Não a que mais gosto de usar
Mas naquela mais se adéqüa
As tuas acepções
Ao teu viver
Á tua força e coragem de acreditar
No que existe além da floresta
Do outro lado do que possa imaginar
Da florestas onde meu ser estar
Este mesmo ser que procuro
Com loucura procuro
Com afinco e vontade
Mas já é sabendo que jamais vou encontrar
Hoje toquei de leve as pétalas de uma flor lilás
E perguntei a ela quando abriu lentamente os olhos
Quando posso tocá-la novamente
E ela disse, nunca mais...
Segui minha estrada
Ela estava certa
Quem anda
Jamais pode voltar
Para caminhar
Nem é preciso ter pernas
Basta ter olhos,
Mas nem olhos é preciso ter
Basta saber sentir
Mas nem sentido é preciso ter
Basta existir....
Se existo?
Estou tentando saber...