Romance do Homem Errante
I
Quando me pus a sonhar,
o peso do mundo esmagava,
espinhos mudos gritavam
na alma que se esfumava.
Meus irmãos, ah meus irmãos,
quanto amor em vossos olhos,
casais puros como névoa,
e eu, cansado de ser eu...
Pelas ruas fervilhantes
do Maranhão Sul ardente,
translúcido caminhava,
pele em brasa, sol inclemente.
Carros, buzinas, pessoas,
um turbilhão incessante,
e eu, sombra sem contorno,
vagando em passos errantes.
Serpentes de aço e fumaça
engoliam multidões,
eu, com uma vara de oráculo,
lutava contra visões.
Minha perna, aberta em chaga,
pulsava como terra seca,
gritava à brisa do sertão
que só trazia poeira.
Cão sarnento, olhos profundos,
bebia água de esgoto,
mastigava sebo sujo,
eu era ele em outro corpo.
II
Sinais que não decifrava,
véu que enfim se desfez,
o homem que fui se esvaiu,
renasci em bruma, talvez.
Aulas, provas, correções,
tudo virou pó ao vento,
agora sou outro ser,
hoje aqui, amanhã longe...
Na Vila Nova me chamam
de espectro peregrino,
sorrio e sigo sem rumo,
vento livre e sem destino...
III
Lua lá no céu, lá na água,
qual delas vou escolher?
Talvez as duas me chamem
para um novo anoitecer...
Ser estranho que carrego,
enigmas sem decifrar,
por que fiz ou não fiz isto?
Sombras etéreas a anotar...
Aprendi a ser multidão,
não mais um só, mas legião,
carrego ecos fantasmais
loucos em mim a querer mais...
Minha vara transmuta tudo
em seres de outro plano,
contra eles me lanço, etéreo,
numa dança do arcano.
Se um dia eu perecer ausente,
não creiam, foi só miragem,
meu ser, agora sem forma,
vaga além da paisagem...
Serei poeira cintilante
no vento do Maranhão,
cruzando serras e vales
em eterna comunhão.
Serei livre, enfim em paz
sob o céu do meu sertão,
não mais corpo, mas essência,
etérea como ilusão...