Romance do Abismo e da Noite

Dentro de mim há um poço sem fundo,

um eco que sobe das pedras partidas,

e o meu olhar, que se perde na estrada,

não quer enxergar as veredas da vida.

No juízo quebrado, as sombras se agitam,

são restos de sonhos que nunca nasceram,

e o peso das coisas mortas me arrasta,

como o barro pesado nas margens dos brejos.

Na prisão do tempo, espero o silêncio,

a corda invisível que aperta e não cede;

não há grito em mim, só um vácuo que cresce,

como cresce a fome nas terras de sede.

Meu corpo estremece no escuro da noite,

não pelo temor, mas pela existência:

é o peso do mundo que pulsa em meus ossos,

é o vento que corta as palmas em resistência.

E quando a morte vier com seu passo certeiro,

não haverá quem me olhe ou quem me recorde:

nem amigos, nem filhos, nem amor de mulher;

apenas o vazio seguirá meu cortejo.

Oh caveira calada que me ama sem preço!

Deita-te comigo nas pedras do chão.

Não quero uma cama – não tive nem quero –,

meu leito é a poeira do seco sertão.

As estrelas distantes me olham sem pressa,

e o céu é um teto de vasto abandono.

Agradeço ao chão por ser meu abrigo,

pois nele repouso meu cansaço tristonho.

Cresci entre matos e fornos de barro,

criança sem nome perdida no mundo;

e agora sou pó que o vento dispersa,

sou monturo esquecido no tempo profundo.

Onde está aquele sonho de amar?

De ser amado com força infinita?

Nada veio – nem rio, nem brisa –,

só o silêncio das águas aflitas.

Queria pensar no nada absoluto,

olhar para dentro e não ver mais dor;

mas há um aroma amargo e tão fino:

é a essência dos sonhos mortos em flor.

Ah! Como desejo ser pó na vereda!

Espalhar-me ao vento nas trilhas sem fim!

Enquanto caminho por rumos incertos,

carrego cansaços que vivem em mim.

Cansaço das vozes e dos gestos vazios;

cansaço do amor que não sei aceitar;

cansaço das sombras das coisas perdidas;

do tempo que pesa e não quer passar.

Dentro de mim só há ecos partidos:

sombras de sonhos e vontades caladas.

Quero ser nada – absolutamente nada –,

como uma ponte entre as portas fechadas.

Um vulcão adormecido no centro do mundo,

onde flores amarelas nascem sozinhas;

flores iguais às que brotarão em meu túmulo:

plantadas por Deus com mãos tão divinas.

Mas ninfas não existem – eu sei disso –,

assim como sei do meu maior tormento:

desejar desaparecer violentamente;

ser consumido pelo próprio lamento.

Que minha carne se torne fumaça no ar;

que o vento dissolva meu cheiro no nada;

e depois de um tempo – mas não muito tempo –,

que minha lembrança seja apagada.

Só quando todos tiverem me esquecido

é que serei amado pelo esquecimento:

um amor absoluto e puro como a noite;

um amor sem forma ou consentimento.

Dentro de mim há um abismo profundo;

um eco murmura palavras perdidas…

Mas quem sou eu? Não conheço essa voz…

Sou ninguém – uma sombra na noite infinita.

Sebastião Alves da Silva
Enviado por Sebastião Alves da Silva em 26/02/2025
Código do texto: T8273454
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