Vozes da madrugada
Dentro das horas mornas da cidade
Se encontram seres a querer falar
E para ouvi-los é preciso claridade
Sentidos múnus com a verdade
Deixa os astros e o deuses em paz
Toda queixa e qualquer azedume
Isso tudo já não nos compraz
Não quero andar com cardume
E das sombras o que mais dizem
São lamentos e muitas veracidades
Que com este mundo não condizem
São os que moram noutra realidade
No mundo dos mortos se comprimem
E me enchem os sentidos de veleidade
II
Nesta cidade os mortos estão vivos
E me vêem por onde ando a cismar
Eu os ignoro, mas sou deles cativo
Sem a liberdade de livre andar
Às vezes pergunto que querem
E enlaçados tentam todos falar
E eu a cada um ouço, me medem
A capacidade de os auscultar
"Não temos pedidos a fazer
"Nem é nosso intuito te atrasar
"Só queremos estar com você
"Que tem sentidos extrapolados
"Que onde nós estamos nos vê
"E sente nossa dor de seres alados"
III
E das sombras me vinham aflições
Que meu coração as não aguenta
E todo meu ser se atormenta
Impossível não tremer corações...
Que querem que vos faça eu?
"Diga a todos que nada se acaba
"A morte é só uma palavra vaga
"O que há é apenas umbral e céu
"E a quem de tudo isso duvida
"Não percamos com ele tempo
"O começo aí e aqui é movimento
"É rio que corre em dois sentidos
"Sem nunca deixar de se mexer
"Todos vão hora falecer e renascer"
IV
Tudo isso entendi claramente
A caminha sob e dentro da noite
Mas tenho cá meus incidentes
Que fazem na mente seus açoites
Não afirmo disso autenticidade
Tenho um pensar não de confiança
Vejo em mim raios de claridade
Sem que haja trovões de ressonância
As ruas são largas na madrugada
E caminhar sem destino é tão bom
Acordo se me abraça a alvorada
E na luz me sinto escuro e sem dom
Os pés preferem marcar na arraiada
Pois ali dos almas ouço bem o som