Poema aos carcomidos
Longe das redes sociais
Dos filtros e notícias internacionais
Do amor dos homens e das mulheres convencionais
Dos livros didáticos e dos escritores ocasionais
Da piedade dos homens religionais
Das orações aos santos e aos deuses imortais
Esquecidos dos processos cerebrais
Magoando as vistas dos seres urbanais
Ocupando calçadas e escuros em sonos mortais
Incomodando autoridades das arquiteturas antissociais
Diluindo seus corpos por vícios e traumas espectrais
Estão em vida mortos sob os templos celestiais
Somente as estrelas lhes enviam luzes fraternais
Que trazem apenas mensagens memoriais
De um inimaginável distanciamento além demais
Que não lhes abraçam nem lhes matam as fomes imortais
Eis os homens cadavéricos e as mulheres loucas palmilhando a vida sob desconfiança e gritos e paradas mentais
Mas também com socos e chutes dos senhorais
Que se agigantam frente aos fracos e miseráveis do mundo que vivem como se morressem sem esperanças tais
Tragados por vícios e sem rumos que os relembre de esperanças e mais
São meus amigos esses seres de si perdidos
De espíritos carcomidos
Sem banhos e cabelos cortados e fedidos
Para quem no mundo não há quem sinta seus silenciosos e contidos gemidos,
Seus atos proibidos,
Tidos como bandidos
Que das paisagens devem ser extinguidos
Como se isso trouxesse de volta a alegria
E a humanidade
De quem pode andar perfumado alimentado e bem vestido
E lhes dessem uma segurança
De viver sem necessidade de ter esperança
Mas a esses esquecidos e ignorados do mundo
É a quem dedico meus pensamentos usuais...
Admiro teus vídeos e imagens
Cercados de amigos parentes numa reunião de segunda-feira
Fasto de bebidas e comidas numa foto de luz medida
Que atraiu milhares de curtidas e compartilhamentos
Dissolvidos nos mundos digitais...
Mas eu prefiro a dureza dessas vidas
Que são como forçados eremitas
Que pintam as ruas da cidade com suas aparências
De abandonados animais
De crianças que não deram certo
E ficaram como que perdidas nas crises existenciais...
Não mexam com os que andam pela minha cidade
Deixo-os dormir com fome a vontade
Pelos becos escuros pelas calçadas
Pelas casas abandonadas
Sobre o papelão que os separam do chão,
Nas sarjetas da desolação...
Não os condene com vossos julgamentos
Guardai pra vós vossa sabedoria,
Vocês que não sentem alegria
De ver vida ainda nos nossos desqualificados do mundo
Que esbanjam um sorriso triste
A todos aqueles que os percebem que existem
Em si uma estória marcando suas trajetórias inexatas,
Que a qualquer momento podem se encontrar...
E todos são espelho espelho meu
Melhor do que eu onde no mundo há?