Até o último iota

Que venha a chuva,

Aquela que não deixa nada em pé

Que rebenta estradas e ranca arvores centenárias deste a raiz mais profunda,

Como uma punhalada na boca de quem grita

Como a execução do Apocalipse,

Até o último iota,

E o som estrondoso há de calar

O canto de todos os pássaros

As promessas de amor dos jovens

Com relâmpagos queimando a desilusão dos velhos,

Como eu,

Como eu que já nasci ancião

Que se assusta quando ri

Como se fosse o pior dos pecados ser feliz!

Que venha como uma pedra de garimpo,

Maior que um baleia,

Que aparece de surpresa no meio da terra que escoa,

Deixando o ouro no mercúrio pra isso ali posto,

Mais violenta que um trem descarrilhado,

De impossível cálculo de direção,

E ela leva Fabiano,

Leva Manuel,

Leva Parazinho,

Leva não, esmaga definitivamente os amigos que sorriam com facilidade...

Ó chuva que estraçalhou não apenas a cidade, o campo e tudo,

Mas que fez dez mil anjos carpirem sobre nós suas lágrimas divinas,

Misturando a lama, os corpos,

De gente e de bicho, tudo igual na hora de máximo desespero!

E depois que tudo passar,

Pois a chuva cai agora mesmo,

E nada sobrar em pé

Como uma rosa de três vezes sete pétalas divididas em todas as cores,

Eis que nossos olhos mudarão a direção,

Do céu não desce Jesus,

É apenas aquele azul celeste do cruzeiro,

Como se nada tivesse ocorrido,

Nada...

Eu digo vocês hão de ver, mesmo que muitos continuem com as memórias doloridas,

Um novo raiar,

Porque eu mesmo devo de ter ido nas primeiras trovejações,

Não quis deixar meu cachorro,

Meu Amigo.

Sebastião Alves da Silva
Enviado por Sebastião Alves da Silva em 23/03/2022
Reeditado em 23/03/2022
Código do texto: T7479409
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