Carta a um falso deus
(26 de abril de 2008)
 
₢ Dalva Agne Lynch



Ele veio
Encontrando-me sozinha
E seu magnetismo foi mais forte
Que meu desejo por liberdade.
Ele veio
Enquanto eu estava trôpega
E envolveu-me com um manto de certezas.
Não, não tive chance.
Ele me cobriu com suas palavras
Com  afirmações de amor e destruição
E então
Assim como viera, foi-se
Deixando atrás de si um rastro de escombros.
Ceguei-me
À realidade de pessoas separadas por convicções
Por certezas subjetivas
Os filhos rejeitando os pais pela força de um sangue
- que nem era o seu -
Os pais convictos de certezas
- sem corroboração -
Os esposos envoltos em desprezo
- “sou mais santo do que tu”!
E tantas, mas tantas orações
Lançadas a um imaginário céu sem respostas!
Da menina estuprada pela multidão
Da mulher embalando o corpo morto de seu filho
Do homem escravizado pelo pão de cada dia.
E não vi!
Na minha ânsia por um sólido chão
Aceitei a simples proteção do “irmão mais forte”
A suposta limpeza cármica
Do sangue derramado
E sim, ceguei-me - pusilânime!
Voluntariamente não vi a mentira
Por detrás de tuas belas palavras.
Ah, que pensei não ser digna!
E como, dize-me, como
Podes ser a tal ponto mentiroso?
Tu me enganaste, falso deus.
A mim
Mãe de quem tiraste os filhos
Mulher a quem roubaste o esposo
A mim, falso deus!
E fraca e destituída
Procurei aceitar tuas respostas.
E me enganaste!
Contudo
Depois de tantas perdas
De tantas palavras inúteis
    - lançadas a um céu imaginário -
Despertei.
Estendi mãos agora de certeza
Mãos solitárias
Destituídas
Doloridas
- mas certas de seu gesto -
A um Infinito que me acolheu
Que me estava à espera
Um Infinito que vê apenas
A Verdade.
Em um arroubo de coragem sem cobertura
Lancei-me perante o Eterno
E Nele encontrei a força de luta
Contra a tua mentira encoberta
Por tão belas palavras.
Então
Fiz-me Nêmesis ao teu símbolo de ódio
Separativismo
Violência
Destruição
Ganância.
Não, não sou ninguém, falso deus.
Mas ainda assim levantei-me
- viste como me tremia o corpo? -
Banhada no sangue do meu Povo
E gritei em praça pública
Perante as tuas hordes que me lançavam pedras.
E foi então que de longe
Por detrás das nuvens do teu desengano
Das noites de solidão com que me cobriste
Das grades do teu preconceito
- com as quais encarceras os seres -
Que uma Mão Sagrada se estendeu
Pousando por sobre a minha cabeça.
A mão da Liberdade suprema
A Mão da Verdade Absoluta.
Sim, sou aceita, falso deus!
Sou aceita pela infinita Sabedoria
Do Universo.

 

Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 06/12/2018
Reeditado em 13/07/2022
Código do texto: T6520636
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